Título: Licença do Madeira atrasa e depende de novos estudos técnicos
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2007, Brasil, p. A3

Em um despacho recheado de termos cautelosos, a direção do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) rejeitou o parecer técnico elaborado por especialistas da autarquia contrário à concessão de licença ambiental prévia para a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO), "em face da dubiedade de suas conclusões".

Ao mesmo tempo, concordou com a "impossibilidade" da emissão da licença prévia "neste momento" para o empreendimento considerado fundamental pelo governo ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e cujo investimento está estimado em R$ 20 bilhões.

Para evitar melindres políticos adicionais, a diretoria do Ibama também determinou uma nova rodada de "complementação" dos estudos de impacto ambiental (EIA) diretamente com representantes do consórcio formado por Furnas Centrais Elétricas e a Construtora Norberto Odebrecht. "Não cabe nem refazer nem começar do zero. Não tem sentido processual mudar as regras depois de um pedido de complementações, que foi feito ao consórcio pelo Ibama em fevereiro de 2006, e depois das quatro audiências públicas já realizadas", afirma Luiz Felippe Kunz Jr, diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama.

"O Ibama não pode inventar uma regra aos 48 minutos do segundo tempo. Houve um entendimento equivocado da equipe técnica sobre o processo. Eles [a equipe do Ibama] não colocaram os pontos que deveriam ser esclarecidos pelo consórcio", acrescentou o diretor do instituto.

A decisão de Kunz tem data de 30 de março, mas só foi tornada pública ontem. Embora não aceite a orientação técnica de rejeitar a licença, ela atrasará o cronograma do governo para as usinas hidrelétricas do rio Madeira, pois impede, na prática, que a licitação ocorra no prazo pretendido. Em sucessivas declarações, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, afirmou que esperava que a licença fosse expedida ainda em março.

Em relatório de 221 páginas, de março, oito biólogos e engenheiros do Ibama recomendaram, ao mesmo tempo, a "reelaboração" dos estudos de impacto ambiental e a realização de um "novo" EIA, "mais abrangente" - no Brasil e em "territórios transfonteiriços" -, inclusive com a realização de "novas audiências públicas", além das quatro já ocorridas.

De saída do Ibama após três anos e meio na diretoria - segundo ele por "iniciativa própria" e em função da ampla reestruturação no Ministério do Meio Ambiente e no instituto -, Kunz rejeitou os argumentos listados no relatório dos técnicos do Ibama.

"O parecer tem que ser revisto para apresentar as complementações. Daí, se analisa novamente se é possível aceitá-lo. Se não é possível avaliar com esses elementos, é preciso definir os subsídios técnicos que faltam para definir a viabilidade", afirma. "Agora, cabe uma segunda etapa de complementações, que devem ser discutidas diretamente com o empreendedor".

O diretor do Ibama classificou como "delicada" a recomendação do parecer preliminar para que sejam feitos estudos em outros países. "Já encaminhei um pedido à Procuradoria Federal e vamos aguardar este parecer, afirma. Kunz também coloca em dúvida a exigência de análise dos "dados secundários da bibliografia" já existente sobre a situação da bacia do rio Madeira nos países vizinhos. "Também vou encaminhar esse pedido".

O relatório da equipe técnica do Ibama só foi colocado ontem na página do instituto, após uma polêmica em torno da dubiedade dos termos. "Só vai para publicidade quando é acolhido pela diretoria. Mesmo assim, para evitar discussões, decidimos publicar o parecer", afirma Luiz Felippe Kunz.

No parecer, os oito técnicos do Ibama acusam uma "notória insuficiência" dos estudos e complementações apresentados, algo que seria "atestado" por um relatório feito pelo Ministério Público de Rondônia. Além disso, segundo o parecer, as áreas afetadas e de influência direta e indireta "são maiores do que as diagnosticadas". Para os técnicos, as vistorias, audiências públicas e reuniões trouxeram maiores subsídios à análise do EIA, "demonstrando que os estudos sub-dimensionam, ou negam, impactos potenciais".

Em outro ponto, os técnicos dizem que a análise dos impactos mostraria a "fragilidade dos mecanismos e propostas de mitigações". Pelo documento, a "extensão dos impactos" abrangeria outras regiões brasileiras e países vizinhos, o que "comprometeria ambiental e economicamente territórios não contemplados no EIA". Por fim, o parecer sustenta que "a nova configuração da área de influência dos empreendimentos" demandaria do licenciamento o estudo de "significativos impactos ambientais de âmbitos regionais". Segundo o texto, a "real área" de abrangência dos projetos e o envolvimento de Peru e da Bolívia, exigiria a reelaboração do EIA e uma definição "conjuntamente" com esses "países impactados".

No relatório, os especialistas afirmam haver um "elevado grau de incerteza envolvido no processo". Em resumo: "A equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos hidrelétricos Santo Antônio e Jirau. Portanto, recomenda-se a não emissão da licença prévia."