Título: China reconhece que renda é mal distribuída
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2013, Internacional, p. A9

Pela primeira vez em 12 anos, o governo da China divulgou dados sobre a escala do enorme fosso entre ricos e pobres e afirmou que é necessário reduzir urgentemente o fosso politicamente explosivo.

Pequim não deu informações sobre o amplamente utilizado índice de Gini de distribuição de renda durante uma década - ao longo da qual aumentou o número de queixas sobre o alargamento dos diferenciais de renda ocorrido durante o mais rápido período de crescimento registrado na China. Isso deu margem a comentários de que o Partido Comunista poderia estar tentando minimizar o abismo entre uma elite que beneficiou-se de mais de três décadas de reforma e a maioria pobre.

O índice de Gini chinês ficou em 0,474 no ano passado, numa escala de 0 a 1, ou seja, uma queda em relação ao pico de 0,491 em 2008, disse na sexta-feira o diretor do Departamento Nacional de Estatísticas, Ma Jiantang. Com isso, a China é uma das sociedades mais desiguais no mundo. Em comparação, Ma disse que o número Gini ficou em 0,55 no Brasil, 0,46 na Argentina e 0,40 na Rússia.

"Temos de nos concentrar na distribuição de renda", disse Ma em uma coletiva de imprensa. "Por um lado, é preciso fazer o bolo crescer, mas, por outro, temos de melhorar a divisão desse bolo".

Reduzir os diferenciais de renda é uma questão premente para os novos líderes do Partido Comunista que assumiram o poder em outubro. Há rumores de que o governo está preparando-se para lançar um plano de longo prazo visando reduzir a desigualdade, mas não houve confirmação oficial.

O mais recente anúncio vem após dois anos de melhoria na distribuição de renda que, segundo Ma, deveu-se a maiores gastos sociais e aos esforços do governo para melhorar a vida dos pobres. Economistas do setor privado, porém, dizem que grande parte da elevação da renda dos mais pobres deve-se ao aumento dos salários decorrentes da escassez de mão de obra.

O explosivo crescimento chinês proporcionou fortunas de bilhões de dólares para alguns empreenderes, mas o crescimento da renda para a maioria é lento. Reclamações sobre estilos de vida luxuosos de funcionários do governo, figuras do Partido Comunista e militares que dirigem carros caros, possuem casas próprias e mandam seus filhos para universidades de elite estrangeiras têm sido combustível para tensões políticas.

Na última vez em que o governo divulgou o índice de Gini o número era referente a 2000. A partir de então, disse a agência de Ma, o governo sabia muito pouco sobre as rendas das famílias ricas para fazer um cálculo. O governo anunciou uma pesquisa nacional, em fevereiro passado, para reunir os dados de renda para um novo estudo.

"A divulgação do índice de Gini mostra que valorizamos a qualidade do PIB e não estamos apenas perseguindo quantidade", disse o economista Mao Yushi, um importante defensor de reforma e cofundador do Instituto de Economia Unirule, em Pequim, um centro de estudos independente.

O índice de Gini é baseado em quanto da renda de um país é destinado a cada nível econômico da sociedade. O índice vai de zero, em caso de total igualdade, a 1, para desigualdade total. O índice também pode ser expresso numa escala de 100 pontos.

Um relatório divulgado em dezembro por pesquisadores da Universidade de Finanças do Sudoeste, na cidade de Chengdu, estimou o número Gini para a China em 0,61 para 2010.

Um economista, Xu Xiaonian, ridicularizou, num registro em seu microblog, a mais recente medida de pobreza, afirmando tratar-se de "dados falsos", num reflexo do ceticismo generalizado sobre a confiabilidade de informações oficiais. "Esse número Gini, nem mesmo um autor de contos de fadas se atreveria a dizê-lo", escreveu Xu.

Para fazer progressos de longo prazo na redução da desigualdade de renda, os líderes chineses precisarão reestruturar um sistema econômico que criou monopólios lucrativos e interesses especiais arraigados, disse Peng Xizhe, reitor da Escola de Desenvolvimento Social e Políticas Públicas da Universidade de Fudan, em Xangai.

"As pessoas com interesses velados não abrirão mão de suas vantagens, e por isso o governo precisa empregar grande sabedoria política e ter coragem para atacar o problema", disse Peng.

Na sexta-feira, o governo chinês também informou que o Produto Interno Bruto (PIB) do país avançou 7,9% no quarto trimestre, na comparação com o mesmo período de 2011. O resultado marca uma aceleração ante os 7,4% do terceiro trimestre. Em todo o ano de 2012, o crescimento chinês ficou em 7,8%, o desempenho mais fraco do país desde os anos 1990.