Título: Setor espera PIB de 3,5% e mais medidas para voltar a crescer
Autor: Ribeiro , Ivo
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2013, Empresas, p. B6

A indústria de produção de aço brasileira espera reverter neste ano o fraco desempenho de 2012, que terminou com uma queda de produção de 1,5% na comparação com o ano anterior e um aumento pífio de 0,5% no consumo de produtos siderúrgicos. O setor aposta nos efeitos de medidas tomadas pelo governo de defesa comercial, como elevação da alíquota de importação, o fim da guerra dos portos, com incentivos de alguns governos estaduais às importações e um câmbio mais competitivo.

Não é suficiente, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil (IABr), entidade que reúne as fabricantes do país. "O PIB do país não poderá ser o Pibinho de 1% que vimos em 2012. Para o consumo e as vendas internas crescerem, imaginamos cerca de 3,5%", afirmou ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

O ano passado, disse o executivo, foi um dos mais difíceis para a siderurgia brasileira. Além da economia morna, levando a uma retração de 2% na atividade industrial, o setor enfrentou a entrada de aço importado, direta e indiretamente. Lopes disse que a principal saída para alavancar o consumo de aço no país é garantir um crescimento sustentado do mercado interno. "Esse é o nosso mantra. Não podemos ficar sempre patinando no consumo per capita de 120 quilos a 130 quilos ao ano".

Outra medida defendida pela siderurgia e outros setores industriais, em discussão no governo, com o BNDES à frente, é a adoção do "Compre Nacional", uma espécie de "Buy American" do governo de Barack Obama. O plano prevê a exigência de conteúdo nacional mínimo, de 55% a 60%, nos chamados programas especiais, como obras da Copa do Mundo e da Olimpíada, e em todos os contratos em que há presença de financiamento público.

Abaixo a íntegra da entrevista.

Valor: O que esperar de 2013 para a indústria do aço no Brasil?

Marco Polo de Mello Lopes: Acreditamos que será melhor que o de 2012 em conseqüência de algumas medidas que foram tomadas no ano passado, como a lei que põe fim à guerra dos incentivos de governos estaduais em vários portos do país, ações de defesa comercial, com aumento de alíquota de importação para uma série de produtos de diversos setores, a desoneração da folha salarial, em especial para o setor de máquinas e equipamentos, a renovação do Reintegra em 3%, o programa PSI do BNDES e a redução da tarifa de energia elétrica.

Valor: Como ficará o desempenho da produção, vendas internas e consumo doméstico de aço?

Lopes: A expectativa do setor é que as vendas da produção interna cresçam 7,7% neste ano, atingindo 23,4 milhões de toneladas, e o consumo aparente [venda local mais importado], 4,3%, alcançando 26,4 milhões de toneladas. A produção ainda não dá para fazer estimativa. Tudo isso vai depender muito de como ficará o crescimento da economia brasileira. O setor industrial viveu um ano muito ruim, com retração de 2%. O PIB do país não poderá ser o Pibinho de 1% que vimos em 2012, Imagina-se algo em 3,5%.

Valor: O ano passado, então, ficou bem abaixo das expectativas, com alta de apenas 0,5% no consumo e 0,7% nas vendas de aço?

Lopes: Foi um dos anos mais difíceis já vividos pelo setor siderúrgico do país. Superou até 2010, quando tivemos uma enxurrada de importações de aço, um problema que ainda não está totalmente controlado. Há um excesso monumental de aço no mundo, de quase 600 milhões de toneladas, e muita oferta vindo de países da Ásia, Leste europeu e Turquia. Esperamos que as medidas que mencionei, como o fim da guerra dos portos e aumento de alíquota, aliadas a um câmbio mais competitivo, possam surtir efeitos e inibir a entrada de material com incentivos de governos dos países exportadores, principalmente da China.

"Nossa indústria é competitiva globalmente até a fase dos custos, antes de impostos na produção e nos investimentos"

Valor: Diante desse cenário de competição global e interna, qual a saída para as fabricantes locais?

Lopes: Nosso mantra é acelerar o crescimento do mercado interno de aço. Não podemos ficar sempre patinando no patamar de consumo anual de 120 quilos a 130 quilos de aço por habitante. No ano passado, caímos para 128 quilos. O maior uso de aço tem de vir com mais investimentos em obras de infraestrutura e fortalecimento da construção civil. O país tem um déficit habitacional enorme. Na China, a construção responde por 50% do consumo total de aço. Na Índia, por mais de 60%. No Brasil ainda estamos com 35%. E medidas para fortalecer o uso de produtos nacionais.

Valor: Que tipo de medidas?

Lopes: Adoção da exigência do conteúdo nacional mínimo nos chamados programas especiais, como obras da Copa do Mundo e da Olimpíada, e em todos os contratos em que há presença de financiamento público, apoio e incentivos fiscais de governos. Como fez o governo do presidente Barack Obama, dos EUA, com o "Buy American". Aqui, vemos, por exemplo, que na maioria dos estádios da Copa, construídos com dinheiro do BNDES, 100% das estruturas metálicas vieram do exterior. A siderúrgica de Pecém [em construção por Vale, Posco e Dongkuk, no Ceará], uma obra financiada pelo banco, está trazendo de fora todo aço vergalhão.

Valor: Como está a discussão desse programa e como seria sua aplicação?

Lopes: Encontra-se ainda em estágio preliminar, no Ministério do Desenvolvimento (MDIC), tendo o BNDES à frente. Seria o "Compre Nacional" ou "Buy Brasil", voltados para vários - desde obras de infraestrutura, de óleo e gás, setor de geração de energia até o automotivo. Com isso, atenderia desde aço, inúmeros outros insumos, máquinas e equipamentos e autopeças. Já existem vários grupos formados.

Valor: Qual seria a participação mínima de produtos nacionais nas compras de projetos desse tipo?

Lopes: Em torno de 55% a 60%. Tem de envolver produtos locais e com presença de maior conteúdo tecnológico. Hoje, a indústria automotiva põe até gastos com publicidade como conteúdo nacional no seu custo. Não faz sentido. A indústria do país, como um todo, precisa se beneficiar, como nos EUA, da exigência do conteúdo nacional. Vamos procurar montar a mesma coalização de forças, capital e trabalho, unindo entidades de trabalhadores e empresários, para fortalecer o consumo interno industrial e geração de empregos.

Valor: Que outras preocupações o setor tem levado ao governo?

Lopes: A grande preocupação de toda a área industrial é garantir sua competitividade. O governo demorou a admitir que havia um grau profundo de desindustrialização ocorrendo no país, até que tomou essas primeiras medidas de defesa comercial. Falta ainda muita coisa. O Reintegra na China é 17%; aqui, só 3%. Uma diferença brutal. Precisamos ainda de um câmbio mais realista - alguns setores falam de até R$ 2,30 a R$ 2,40 -, de redução na elevada carga tributária, que é fruto de um processo cruel de acumulação de impostos, da unificação da alíquota do ICMS nos Estados em 4%, entre outras ações.

Valor: O setor quer outros tipos de aço numa segunda lista de produtos para elevação da alíquota de importação que o governo prevê para este trimestre.

Lopes: As importações diretas e indiretas de aço continuam fortes. Juntas, somaram mais de 8 milhões de toneladas no ano passado. A entrada de aço direto foi de 3,8 milhões de toneladas, o mesmo volume de 2011. Ou seja, nosso mercado, que patina no crescimento do consumo, continua alvo de fabricantes externos. Estamos todos - siderurgia, indústria de autopeças, de máquinas e equipamentos... toda a cadeia metal-mecânica - no mesmo barco: perdendo competitividade.

Valor: Os aumentos de alíquota em 2012, que chegaram a ser criticados, não foram suficientes?

Lopes: A primeira lista contemplou só dois tipos de aço: bobinas laminadas a quente e fio-máquina. Mas já vemos que importadores estão burlando a medida, com truques para mudar a especificações das normas do país. Por isso, pedimos a inclusão desses aços carbono com adição de boro (que são o alvo das fraudes), além de outros tipos com forte concorrência de importados, caso de vergalhão, galvanizados tipo HDG e zincados.

Valor: Com que nível da capacidade o setor trabalha hoje?

Lopes: Fechamos o ano passado com 72% de ocupação. Só não perdeu para 2009, em decorrência da crise global, quando ficou com 63%. Um número ótimo seria acima de 80% até próximo de 90%. Até 2008, ainda havia a alternativa do mercado externo que completava as vendas das usinas e garantia o uso da capacidade instalada. Isso vem se deteriorando nos últimos anos com o excesso de oferta e perda de competitividade na exportação. A desvalorização do dólar, incentivos estaduais à importação e falta de medidas de defesa comercial contribuíram para esse quadro. Hoje, ainda temos alto-forno parado por falta de mercado, local e no exterior, onde vemos uma crise econômica grave na Europa. Em 2012, nossos embarques tiveram queda de 11% em volume e 17% em receita.

Valor: Como fica o Brasil no cenário siderúrgico global?

Lopes: Cada vez mais perdendo competitividade. A nossa indústria é competitiva globalmente até a fase dos custos, antes de imputar impostos na produção, nas vendas e nos investimentos. Estudo da consultoria Booz, que contratamos em 2010 e que foi replicado no ano passado, mostra bem isso. Foram mapeados dois produtos-base - bobina laminada a quente e vergalhão - em seis países: Brasil, Rússia, Alemanha, EUA, Turquia e China. Quando se aplica a carga tributária, caímos de primeiro e terceiro lugares, respectivamente, para a última posição. Em bobina, o custo tributário total é de 44,3% e no vergalhão de 36,2%. A média dos seis países foi de 24%. Para se instalar uma usina integrada de aço plano no Brasil, como Usiminas e CSN, o custo chega a US$ 1,8 mil por tonelada. Na Índia é US$ 1 mil e na China fica em US$ 550.

Valor: O Brasil acaba de perder o posto de oitavo maior produto de aço do mundo para a Turquia.

Lopes: Temos um parque industrial com capacidade instalada de 48,4 milhões de toneladas, mas nosso consumo interno de aço bruto é de 28 milhões de toneladas. Com isso, nossa sobra de capacidade corresponde a 72% do total que consumimos. No ano passado, o Brasil produziu 34,7 milhões de toneladas e a Turquia poderá ter alcançado cerca de 38 milhões, com uma produção grande voltada para exportação. Além de forte concorrente em aços longos no mercado internacional, os turcos já começam a incomodar no mercado de aços planos.

Valor: Esse cenário se refletiu nos balanços das siderúrgicas locais?

Lopes: Se pegarmos os números das companhias fabricantes de aço que divulgam balanços - CSN, Usiminas e Gerdau - até setembro, vemos uma perda drástica de margens na atividade de siderurgia. [Entre o primeiro trimestre de 2010 e o terceiro de 2012, a margem do resultado operacional (Ebitda) da CSN caiu de 40% para 19%, da Gerdau no Brasil, de 28% para 19%, e da Usiminas, de 20% para 2%].