Título: Em boa hora
Autor: Werthein, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2007, Opinião, p. A14

Não faltaram alertas. Incontáveis artigos, palestras, discursos, seminários, debates, avaliações, mesas redondas vinham chamando a atenção dos governos federal, estaduais e municipais e da sociedade brasileira para o problema da qualidade da educação no Brasil.

Os mais recentes resultados do Saeb e do Enem, divulgados pelo Ministério da Educação, confirmaram uma preocupação compartilhada por todos os interessados na educação brasileira: universalizar o ensino não basta, é preciso que ele tenha qualidade. Tratava-se, portanto, de um dos raros consensos no país.

Houve, cabe reconhecer, tentativas de resposta e sugestões. Até que veio a melhor resposta possível para o momento: o Plano de Desenvolvimento da Educação. O próprio governo - a que não se pode acusar de não reconhecer a realidade dos fatos - anunciou, em boa hora, pacote de medidas, metade delas de caráter interministerial, com o fim de reduzir a distância que separa o Brasil dos países desenvolvidos e daqueles em desenvolvimento, em termos de desempenho escolar. Eis algo sumamente importante.

O Ministério da Educação acertadamente insiste em que a educação não pode ser setorial, responsabilidade exclusiva desse ministério: a educação tem de ser assumida pelo governo como um todo, o que coincide com a postura do presidente da República que, durante a campanha para a reeleição, estabeleceu a educação como prioridade.

Para dar qualidade ao ensino brasileiro - sobretudo no nível básico - é necessário que a educação seja uma política de Estado. Todo esforço é pouco para elevar o padrão educacional que se oferece às crianças e aos adolescentes do país. Esse esforço compreende tanto medidas de caráter pedagógico quanto de âmbito administrativo-financeiro.

Pedagogicamente, cabe salientar a importância de técnicas e métodos que despertem a curiosidade e mantenham a atenção dos estudantes, sobretudo em áreas freqüentemente apontadas como mais áridas, como a matemática e as ciências em geral. O ensino de ciências, aliás, merece destaque especial, dada sua importância ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, lamentavelmente postergado. Mas, acima de tudo, importa que os estudantes estejam em permanente conexão com a realidade à volta deles e preparados para enfrentá-la.

-------------------------------------------------------------------------------- A educação tem de ser assumida pelo governo como um todo, o que coincide com a postura do presidente da República --------------------------------------------------------------------------------

Do ponto de vista administrativo-financeiro, estreitamente associado ao aspecto pedagógico em geral, cumpre destacar o papel da infra-estrutura das escolas, da formação e do salário dos professores, do combate a todo tipo de violência física e simbólica nos estabelecimentos de ensino e em seu entorno. Tudo isso, entre outros fatores, reflete-se diretamente sobre o desempenho dos estudantes.

Seja no âmbito pedagógico, seja no administrativo-financeiro, ou em ambos simultaneamente, qualquer esforço será em vão se não for coletivo. Estado e sociedade devem trabalhar juntos. Na esfera governamental, não basta que o governo federal se empenhe pela melhora na qualidade do ensino e da aprendizagem. Estados e municípios têm parcela importantíssima de contribuição nesse processo. Outros poderes igualmente. Todavia, qualquer esforço das instâncias governamentais será inócuo se a sociedade não estiver ciente de seus direitos e deveres e não se mobilizar para vê-los cumpridos.

Pesquisa de 2005, realizada com dez mil pais, mostrou que a maioria deles está satisfeita com o ensino que seus filhos recebem e deram nota oito para a infra-estrutura escolar. Mal-informados e desmobilizados, os pais de alunos de escolas públicas, acima de todos, cobram pouco.

Na Constituição brasileira, a educação é definida como direito de todos, cabendo ao Estado e à família, em colaboração com a sociedade em geral, promovê-la. Afirma-se a necessidade de assegurar uma educação de qualidade com igualdade de oportunidades, eliminando os grandes desequilíbrios regionais e as inaceitáveis e profundas diferenças sociais.

Apesar da legislação, a plena efetivação desse direito, como bem demonstram os resultados do Saeb e do Enem, ainda representa um desafio no Brasil. Mas como vencê-lo sem uma adequada destinação de recursos técnicos e financeiros que dêem atenção prioritária aos segmentos mais desfavorecidos da sociedade? Espera-se que o Plano de Desenvolvimento da Educação responda satisfatoriamente a essa necessidade.

A educação tem de estar inserida em uma clara estratégia de desenvolvimento, como o fizeram, entre outros, Argentina, Uruguai e Costa Rica e, na história recente, Irlanda, Espanha e Coréia do Sul. Ela deve ser vista como alavanca para o desenvolvimento, como condição sine qua non para o crescimento socioeconômico, pois ela é a base para a solução, ou ao menos a redução, de outras mazelas sociais.

Uma visão da educação como fator de desenvolvimento, como prioridade, favorece a defesa de maior investimento, financeiro e político, sobretudo na educação básica. Governo federal, Estados e municípios, com apoio da sociedade civil e do setor empresarial, podem juntos promover a revolução educacional de que o Brasil necessita.

Jorge Werthein é doutor em Educação pela Universidade Stanford (EUA) e assessor especial do secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura - OEI. jwerthein@oeibrpt.org