Título: Investimento precisa ser foco dos incentivos, diz Prado, da UFRJ
Autor: Martins , Diogo
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2013, Brasil, p. A4
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deverá crescer de 3% a 4% este ano na comparação com 2012, mas o governo deveria agir mais para alterar o modelo de crescimento. O Brasil, diz Luiz Carlos Delorme Prado, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), precisa fazer a transição, de uma economia ainda baseada no consumo, para um modelo baseado no investimento. O modelo baseado em consumo, diz, não está esgotado, mas até para ser sustentável, precisa de mais investimento
Um dos caminhos para a transição, diz, é recolher ganhos de produtividade que façam a produção industrial capaz de concorrer com a de economias mais desenvolvidas. Na ação pública, um dos caminhos é reduzir os estímulos ao consumo ("o que o governo corretamente já está fazendo"), e reforçar a aposta na infraestrutura.
"Quando o governo anuncia que vai abrir mão de R$ 30 bilhões ou R$ 40 bilhões, eu diria que esse dinheiro seria muito melhor usado se gasto na área de investimento, em áreas como na construção de casas populares, portos, aeroportos e estradas", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como deve se comportar a economia brasileira em 2013?
Luiz Carlos Delorme Prado: Para falar da economia brasileira, é preciso ver, primeiro, a conjuntura econômica internacional. O cenário não é alvissareiro. A recuperação da economia internacional será lenta e gradual. Os Estados Unidos têm um clima de incerteza, gerado pelo debate fiscal. Se optarem pela redução de gastos, a recuperação que estamos observando, mesmo que em ritmo lento, será interrompida. É uma economia que já está desacelerada. No caso da Europa, embora a situação não se coloque imediatamente catastrófica, o custo de captação de financiamento entre os países da zona do euro está muito divergente. Há Alemanha e França em uma posição relativamente tranquila; Grécia e Portugal numa situação muito ruim; e Espanha e Itália numa posição difícil, mas não muito ruim. No caso da Ásia, temos uma desaceleração na China e Índia, que repercute pelo restante do continente. Os nossos vizinhos também não vão nos ajudar. Ou seja, o cenário externo não é positivo. Não dá para se esperar para a economia brasileira qualquer estímulo externo. O cenário internacional, para o Brasil, será, no mínimo, igual ao que vimos em 2012. Não dá para esperar qualquer melhora. Se continuar do jeito que está, já será razoável. O Brasil precisará ser cauteloso.
Valor: Cauteloso como?
Prado: O Brasil ainda, como outros mercados emergentes, tem servido como canal de escoamento da capacidade ociosa de países de Ásia e Europa. Não dá para ser ingênuo em relação ao comércio internacional. O Brasil não deve aumentar o protecionismo, mas tem de ser cauteloso para evitar que uma parcela do crescimento do consumo doméstico continue, como vem ocorrendo, escapando no consumo de importados. Nesse cenário, dependemos do que ocorre aqui dentro.
Valor: O mercado interno pode garantir um crescimento econômico em 2013 maior do que o projetado para 2012?
Prado: O consumo das famílias vem crescendo, de uma maneira mais moderada do que vinha ocorrendo, mas ainda assim vem crescendo. Quando uma família, que não tinha acesso, compra uma geladeira, um fogão, uma televisão, precisa de um tempo para voltar a consumir. É um período de maturação. Afinal, ninguém troca de geladeira todo ano. O que se pode fazer é dar acesso a bens duráveis a outras famílias. Apesar disso, o crescimento econômico baseado no consumo, pode desacelerar mesmo com o crescimento da renda. É natural que se tenha uma certa acomodação desse crescimento baseado no consumo. Fazer muitos estímulos ao consumo, como redução de IPI para automóvel, que teve um papel importante no passado, passa a ter um papel tênue. Aliás, o governo está reduzindo corretamente essas políticas de incentivo ao consumo.
Valor: O país deveria, então, alterar seu modelo de crescimento, tornando-o mais baseado no investimento?
Prado: O modelo de crescimento econômico baseado no consumo não está esgotado, ainda há espaço para se expandir por esse lado, mas ele tem de ser sancionado pelo aumento do investimento e da produtividade industrial, o que passa por investimentos. Foi muito bom aumentar os salários reais no Brasil, como vem ocorrendo, mas, se sobem os salários reais e não há aumento de produtividade, esse aumento salarial real não é sustentado. Para ter aumento de produtividade, é preciso ter aumento em investimento. Nós vivemos uma situação chamada de "crise de país de renda média". Ou seja, não conseguimos concorrer com países de mão de obra barata, como os da Ásia, e nem somos muito competitivos na fronteira tecnológica, onde estão os países de alto salário e conhecimento técnico, como a Alemanha e a Suíça. Essa situação é muito perigosa. A agenda brasileira passa por fazer essa transição. A alternativa que temos é praticar uma política para sustentar o aumento de investimento.
Valor: As medidas de desoneração da folha de pagamentos para alguns segmentos e a redução nas tarifas da energia, são suficientes para alavancar o investimento?
Prado: Acho que não. Ninguém investe porque o custo de investimento está mais baixo. O investimento é feito quando existe a expectativa de que o aumento da sua oferta terá, ao fim da linha, demanda. O Brasil tem uma agenda de investimentos muito grande pela frente, que será fundamental para o país fazer essa transição, de um crescimento baseado no consumo para fundamentos em investimento. O governo vem reduzindo impostos, por meio de incentivos a alguns setores, o que reduz a capacidade do próprio governo em gastar com investimentos. Hoje, a meu ver, um dos problemas existentes no país é a incapacidade do governo de alavancar gastos em setores relevantes, como a expansão da infraestrutura, que continua crescendo pouco, em saneamento básico, por exemplo. Essas reduções fiscais pontuais são um pouco erráticas. Quando o governo anuncia que vai abrir mão de R$ 30 bilhões ou R$ 40 bilhões, eu diria que esse dinheiro seria muito melhor usado se gasto em investimento, em áreas como construção de casas populares, portos, aeroportos e estradas. É preciso ressaltar que nada disso, se for feito agora, terá efeito imediato. Cabe ao governo, portanto, puxar os setores de infraestrutura. Essa era a melhor contribuição que o governo poderia dar para a retomada da economia. Além disso, é preciso retirar tributos de serviços básicos, como telefonia, e melhorar os serviços básicos, de educação primária e secundária e saúde.
Valor: Qual sua projeção para expansão do PIB em 2013?
Prado: Não sei se o PIB crescerá os 4% que o governo anuncia, mas certamente se expandirá mais que 3%, porque crescemos pouco em 2012. Como a base de comparação é baixa, teremos uma certa recuperação no próximo ano. Eu diria que, no próximo ano, cresceremos entre 3% e 4%.
Valor: Com taxa de investimento em queda, índice de desocupação em patamares baixos, aumento real da renda, e aceleração da atividade, haverá pressão inflacionária?
Prado: Não vejo risco inflacionário. Não há qualquer componente autônomo de pressão inflacionária. Em 2012, a inflação ainda ficou um pouco alta [5,84%]. Câmbio mais serviços, principalmente os serviços pessoais, acrescido de mais um ou outro fator, explicam a inflação de 2012. Mas não há qualquer problema em se ter inflação em torno de 5%, 5,5%, em uma sociedade como a brasileira. O custo de serviços pessoais, que é altamente intensivo em mão de obra, vem aumentando porque os salários crescem acima da inflação. Isso reflete uma mudança da estrutura de distribuição de renda do Brasil, do aumento do custo da mão de obra. Se a economia não cresce muito, e não tem risco externo, não consigo ver pressão inflacionária no país. Inflação só pode ser de custo ou de demanda.