Título: Silêncio sobre os atrasos do PAC
Autor: Sassine, Vinicius; Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 10/12/2010, Política, p. 2

INFRAESTRUTURA Governo faz festa para exaltar que 82% das obras previstas para serem entregues até o fim do ano estarão prontas, mas pouco se refere ao fato de que as áreas de habitação e saneamento estão com execução abaixo de 50%

O clima festivo na divulgação do balanço de quatro anos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no Palácio do Planalto, escondeu o baixo desempenho na execução das obras de habitação e saneamento. Carros-chefes da parte mais social do PAC, com iniciativas que beneficiam diretamente populações mais carentes, as obras de urbanização de favelas e de saneamento básico tiveram os menores índices de execução ao longo dos últimos quatros anos, conforme balanço divulgado ontem pelo governo federal. Estados e municípios que receberam recursos da União para urbanizar favelas concluíram 47% das obras até outubro deste ano. No caso dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto, esse índice é menor: 44%.

Muito pouco se ouviu sobre as obras de habitação e saneamento na cerimônia, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de três ministros já anunciados pela presidente eleita, Dilma Rousseff: Miriam Belchior, gestora do PAC e futura ministra do Planejamento; Paulo Bernardo, que sairá do Planejamento para as Comunicações; e Guido Mantega, que continuará no Ministério da Fazenda.

O tom de euforia de Lula e do trio de ministros de Dilma, a ¿mãe do PAC¿, levou em conta o índice geral de conclusão de obras. Se excluídos os empreendimentos cuja conclusão já estava prevista para depois de 2010, 82% das obras estarão prontas até 31 de dezembro, último dia do governo Lula. Até outubro, o índice era de 73,3%. Os investimentos do governo com o PAC somam R$ 444 bilhões, de R$ 541,8 bilhões previstos de 2007 a dezembro de 2010.

Ao detalhar algumas obras do PAC, Miriam Belchior pouco falou sobre os principais gargalos do programa. Uma comparação entre o balanço divulgado ontem e o último relatório sobre o andamento do programa, de abril, mostra que diversas obras de habitação e saneamento quase não saíram do lugar em seis meses. Uma dessas ações é a urbanização do complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, recém-ocupado pela polícia e pelas Forças Armadas. Conforme o balanço de ontem, 76% das obras foram concluídas até outubro. Em abril, o percentual era de 71%. O Correio já havia mostrado em 30 de novembro, com base nas prestações de contas do governo do Rio, o atraso das ações de urbanização no Complexo do Alemão.

Regressão O balanço atualizado do PAC revela situações semelhantes à do Alemão. A remoção de palafitas e a posterior construção de mais de 5 mil casas na bacia do Rio Beberibe, em Olinda e Recife (PE), pouco avançaram em seis meses. Até abril, a execução era de 11% e, até outubro, de 17%. É a mesma situação de comunidades carentes em Recife, cuja execução das obras saiu de 13% para 15% em seis meses. Outros duas ações de retiradas de palafitas, em Maceió (AL) e em Belém (PA), foram ainda menos eficazes. Na primeira, a obra ficou parada no período, com execução de 10%. Na segunda ¿ favela Vila da Barca ¿, os trabalhos, estranhamente, regrediram, conforme os balanços oficiais. A execução era de 13% em abril e de 10%, em outubro, uma situação ¿preocupante¿, como classifica o relatório.

Outra obra que permaneceu estagnada é a construção do sistema de coleta de esgoto em Porto Velho (RO). Como não saiu de 3% de execução, o estado da obra foi reclassificado de ¿em atenção¿ para ¿preocupante¿. As 130 mil famílias de Porto Velho só terão acesso ao serviço de coleta de esgoto em junho de 2013. No Amazonas, as obras de drenagem do Igarapé do Mindu, para evitar enchentes, só devem ficar prontas em 2012. Apenas 4% foram executados até outubro, ante 3% em abril.

Os avanços insatisfatórios em habitação e saneamento não impediram a exaltação dos resultados do PAC. Ministros da área econômica atribuíram às obras de infraestrutura o crescimento médio da economia brasileira de 4,6% ao ano, entre 2007 e 2010. O principal êxito, segundo o governo, foi o avanço das obras de geração de energia elétrica. Ao presidente, Miriam Belchior citou a maior geração de energia pelas novas usinas hidrelétricas.

¿O senhor vai deixar 25 mil megawatts já inventariados para sua sucessora. É o suficiente para garantir o fornecimento de energia até 2014.¿ Mantega ressaltou a ampliação dos investimentos no país por causa das obras do PAC. ¿O Brasil permanece entre os países que mais estão crescendo no mundo.¿

Poder nas ¿pastilhas¿ » Igor Silveira

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca havia participado de um balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A intenção era deixar que a escolhida para sucedê-lo na Presidência da República, Dilma Rousseff, pudesse brilhar nas apresentações. Com a ex-ministra-chefe da Casa Civil eleita, Lula resolveu marcar presença na última prestação de contas na gestão do petista. Como era de se esperar, ele chamou mais a atenção do público do que qualquer outra autoridade presente no Salão Oeste do Palácio do Planalto. E Lula estava inspirado: fez piada com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, cobrou metas ousadas da presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Maria Fernanda Ramos, e chamou a diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, de ¿mão de vaca¿.

Ainda durante a apresentação da coordenadora do PAC e futura ministra do Planejamento, Miriam Belchior, Lula já demonstrava inquietação. Quando um dos monitores não mostrou os dados que estavam nos telões, o presidente levantou-se do lugar no palco e foi acompanhar o restante do discurso em uma cadeira no meio do público. Ao assumir o púlpito, foi logo contando uma história dos bastidores da relação entre ele e Mantega.

¿Vejam o que é o começo e o fim de um mandato. Durante todo esse tempo, o Guido Mantega se sentava comigo nas reuniões e colocava uma latinha de pastilhas Valda cheia para eu chupar o quanto quisesse. Eu já vi agora ele em reunião com a Dilma: ele coloca a caixinha de pastilhas Valda do lado dela. Hoje, ele chegou aqui e eu, como estava habituado, falei: `Guido, cadê a pastilha Valda?¿ Ele tinha só uma no bolso! Certamente, esqueceu a caixinha na mesa de reuniões com a Dilma. Mas não tem problema, não. Nada como um dia após o outro, Guido¿, brincou Lula.

Lula também deu ¿bronca¿ em integrantes do governo e pediu metas mais ousadas até o fim deste ano. ¿Eu seria muito grato à dona Maria Fernanda e ao dom (Jorge) Hereda (vice-presidente da CEF) se pudessem concluir um milhão de casas no Minha Casa, Minha Vida porque, a partir de janeiro, a nossa presidente vai ter que começar a segunda etapa, que são 2 milhões de casas¿, provocou. Sobrou também para Maria das Graças Foster. Lula ressaltou que quer uma redução no preço do gás de cozinha, mas a diretora da Petrobras não cede. ¿O dado concreto é que eu vou terminar o mandato e não conseguimos reduzir porque a Graça é mão de vaca. Essa é uma dívida que eu espero que a Dilma tenha mais força do que eu para cobrar da Petrobras. Pare de ser sovina, Graça, e faça o barateamento do gás em R$ 10 o botijão, que a gente ainda vai sair ganhando¿, disparou.

Exigência de empenho Antes do evento do PAC, Lula recebeu a bancada federal do PT para um café da manhã no Planalto. Além de despedir-se dos aliados, o presidente pediu empenho na defesa de ¿companheiros¿ no Congresso. Lula reclamou que a oposição ataca muito, enquanto os integrantes da situação defendem pouco. Antes da mudança de volta para São Bernardo do Campo (SP) ¿ que vai custar cerca de R$ 19,5 mil aos cofres públicos ¿, o presidente quer garantir que Dilma será mais bem tratada pelos petistas.