Título: Previdência sem ilusão
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2007, EU & Investimentos, p. D1

O canto de sereia dos planos de previdência costuma ser entoado quando o investidor se depara com um simulador eletrônico, daqueles disponíveis na internet e nas agências bancárias. Em geral, coloca-se na tela a idade atual e a com que se planeja sacar os recursos, o valor das contribuições e, "voilá", o computador apresenta uma vistosa renda mensal futura. Essas simulações consideram os benefícios tributários da aplicação, bastante vantajosos no longo prazo, mas também partem de premissas imprevisíveis, como o ganho no período em que se aplicará - e que faz toda a diferença no retorno. Por isso, o participante deve ter em mente que se trata apenas de uma estimativa e verificar se essa perspectiva é plausível, o que nem sempre se confirma.

A variação de um ponto percentual na projeção de retorno médio da previdência no longo de prazo indica diferença de milhares de reais no patrimônio ao fim do período. Em projeção de 20 anos, por exemplo, um ponto pode significar dezenas de milhares de reais (ver simulação acima). Além de olhar essas projeções ao contratar previdência privada, são necessárias boas conversas com especialistas para entender o sistema, diz Eduardo Bom Ângelo, presidente da Brasilprev. "O interessado deve procurar se informar com mais de uma fonte ou empresa."

As projeções das empresas nos sites indicam grande variação de estimativas de retorno real (em geral, considerado o IGP-M), a partir de 4% ao ano - a mais conservadora. Em geral, elas ficam ao redor de 10% ao ano. Mas, até há poucos dias, uma grande seguradora colocava em seu site projeções de até 18% ao ano. Enquanto isso, o mercado projeta taxa real de 6,4% ao ano até 2031, em juros pagos pelas Notas do Tesouro Nacional série C (NTN-C), corrigidas pelo IGP-M. A perspectiva de juro é similar mesmo para prazos curtos, de 5 anos.

Alguns simuladores apresentam a possibilidade de o participante indicar o ganho esperado. Outros, dão vários cenários. E há ainda aqueles que apresentam uma única projeção para retorno no PGBL ou VGBL. Há quem leve em conta aplicações em renda variável (com retorno potencial maior, mas também de risco mais elevado) ou só renda fixa.

As diferentes expectativas de retorno não indicam que uma seguradora seja melhor do que outra, mas é relevante comparar as propostas, porque uma pode apresentar renda futura maior apenas por prever um retorno real maior.

Se economistas sempre divergem sobre a taxa de juro real em prazos de meses ou poucos anos, traçar um cenário para décadas estará sempre aquém de qualquer mente, mesmo que brilhante. Nesse cenário, é imponderável uma projeção precisa, embora a taxa da NTN-C apresente algum parâmetro. O simulador deve ser, portanto, uma orientação e um sistema para acompanhar periodicamente a aplicação, diz Osvaldo do Nascimento, responsável por seguros, previdência e capitalização no Banco Itaú. "É só um papel didático, para dar uma idéia ao participante de quanto vai receber."

Nos Estados Unidos, onde o dinheiro da previdência fica praticamente preso na fase de acumulação e o participante só pode sacá-lo em condições extremas antes da aposentadoria, as simulações são ainda mais controversas. Muitas empresas sofrem processos de clientes que se sentem lesados por simulações imprecisas, apesar de todas informarem que se tratam de estimativas, diz Marcelo Teixeira, presidente da HSBC Seguros. Ele diz que isso poderá, em menor grau, vir a ocorrer aqui também se, ao final da fase de acumulação, os participantes notarem grandes distorções entre as projeções iniciais e o saldo final dos planos.

Uma padronização dos parâmetros para essas simulações volta e meia é pauta de discussão no setor aqui no Brasil, que já contratou consultorias para a avaliar os simuladores das seguradoras. Mas a determinação de um padrão único - com um retorno comum, por exemplo - esbarra em projeções próprias de cada seguradora, que podem diferir muito do padrão.

Além da taxa de retorno projetada, deve ser levada em conta a expectativa de vida considerada pela seguradora na hora de ponderar a contribuição hoje com renda vitalícia no futuro. Em geral, ela é dada por um estudo financeiro chamado tábua atuarial - a mais popular é a AT-2000, do ano 2000. Quanto mais recente for a tábua, maior a expectativa de vida, e portanto menor a renda mensal vitalícia. Na mais antiga, com esperança de vida menor, o benefício aumenta. O investidor deve considerar ainda possíveis mudanças tributárias. A simples correção da tabela do imposto de renda pode alterar a receita líquida do plano no futuro.