Título: UE quer retomar acordo de céu aberto
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2013, Brasil, p. A3

A União Europeia (UE) quer retomar o mais rápido possível a negociação de um acordo bilionário de liberalização do transporte aéreo com o Brasil, mas os obstáculos continuam fortes dos dois lados. Esse é um dos temas de maior interesse europeu na cúpula UE-Brasil, dia 24, em Brasília, com a presença do presidente da Comissão Europeia, José Durão Barroso, e do presidente da UE, Herman Von Rompuy.

Na visão de Bruxelas, o interesse se justifica pelo fato de o Brasil ser, de longe, o maior mercado de transporte aéreo da América Latina, com 4,5 milhoes de passageiros viajando anualmente entre o país e a UE, e um dos mercados aéreos que crescem mais rapidamente.

Pelo acordo bilateral, todas as companhias aéreas do Brasil e dos 27 Estados-membros da UE poderão fazer voos diretos para qualquer destino, no Brasil e na UE, a partir de qualquer aeroporto em seus territórios, já que seriam eliminadas todas as restrições de itinerários, tarifas e número de voos semanais entre o Brasil e UE.

O acordo UE-Brasil, chamado de "céu aberto", estava praticamente concluído em outubro de 2011, durante visita de Dilma Rousseff a Bruxelas. Na última hora, a presidente decidiu suspender a assinatura do entendimento, causando grande desconforto diplomático na capital belga.

A assinatura do acordo foi suspensa, porque, minutos antes da cerimônia, o Palácio do Planalto constatou que o texto negociado pela Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) tinha um item que aumentaria de 20% para 49% o limite de capital estrangeiro com direito a voto em companhias aéreas brasileiras, desde que o investidor tivesse origem na União Europeia.

Dilma reclamou que não podia assinar um acordo que atropelava a legislação brasileira, que estabelece o limite de 20%. Aparentemente, a Anac achava que, aceitar o limite de 49% - fixado pela UE em seu território - seria uma forma de pressionar a favor da aprovação de projeto que tramita no Congresso brasileiro, e que permite o aumento da participação do capital estrangeiro no setor.

Mais tarde, apesar de troca de correspondência entre Barroso e a presidente Dilma, a negociação foi congelada. Recentemente, a UE em crise, com suas companhias aéreas com desempenho fragilizado pela debilidade econômica da zona do euro, retomou esforços pelo acordo com os brasileiros.

Agora, a UE acena com a possibilidade de acomodar três inquietações brasileiras, que surgiram desde o texto rejeitado pelo Planalto. Em vez de elevar a participação estrangeira a 49% no setor, seria mencionado algo como "limite em conformidade com a legislação vigente", na expectativa de que ela será alterada, cedo ou tarde.

Bruxelas também seria mais flexível em relação a uma cláusula ambiental, que poderia ser interpretada como aceitação, pelo Brasil, de que as companhias aéreas deveriam pagar pelas emissões geradas por seus voos em direção à Europa. A UE recentemente recuou e adiou por um ano esse tipo de medida - que causou confronto com EUA, China e outros parceiros -, já que, a rigor, exigia pagamento pela poluição até em territórios fora da UE.

Um terceiro problema se refere à lista de frequência de voos, e nesse caso a UE agora aceita acomodar interesses brasileiros. O problema é que a Secretaria de Aviação Civil (SAC), vinculada ao Palácio do Planalto, é acusada pelos europeus de ser "muito devagar" e até não ter definido precisamente o que quer.

No acordo negociado até outubro de 2011, a avaliação em Bruxelas é que a Anac tinha focado mais no interesse do passageiro brasileiro, que teria assim mais opções e, possivelmente, mais vantagem nos preços das passagens.

Desde então, o governo passou a olhar também para os interesses das companhias aéreas brasileiras. E é aí que se encontra agora o maior obstáculo para a retomada da negociação bilateral. As empresas brasileiras querem ter no mercado europeu o direito de transportar passageiros e carga entre o território de outro país e um terceiro país, ou seja, começar o voo em Estocolmo, pegar tambem passageiros em Paris e seguir para São Paulo.

A Comissão Europeia recusa dar essa liberdade para o transporte de passageiros e só aceita essa liberação para o transporte de carga. Alega não ter mandato dos Estados-membros para fazer essa concessão. Os brasileiros, por seu lado, acham que não é bem assim. Se os europeus têm interesse no acordo, basta buscar outro mandato para negociar também essa cláusula.

Os europeus dizem não entender a demanda brasileira, porque companhias brasileiras não teriam, no momento, como fazer escalas para pegar passageiros em mais de uma cidade na Europa. Só que ignoram as perspectivas futuras.

Para a União Europeia, a cúpula do dia 24 em Brasilia deve servir, no mínimo, para esclarecer como retomar a negociação e acabar com a lentidão da SAC. Os europeus têm pressa, de olho no transporte de passageiros para a Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016. Bruxelas estima que o potencial de aumento de tráfego, a partir do acordo, seria de 335 mil passageiros no primeiro ano.