Título: Parceria para pôr álcool em duto e açúcar nos trilhos
Autor: Scaramuzzo, Mônica e Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2007, Agronegócios, p. B14

O descompasso entre os pesados investimentos na construção de novas usinas - quase 100 projetos em todo país - e os poucos aportes no escoamento da produção de açúcar e, sobretudo de álcool, poderá ser reduzido. Uma aliança entre as principais usinas do país e as ferrovias, como a ALL (América Latina Logística), poderá colocar a produção do setor, finalmente, nos trilhos e dutos.

Um grande projeto de infra-estrutura logística já começou a ser costurado entre as usinas do setor sucroalcooleiro e companhias ferroviárias. Os estudos estão avançados e prevêem a construção de armazéns de açúcar e álcool, com desvios ferroviários até as principais regiões produtoras do país, tudo amarrado a um corredor de alcooduto.

O Valor apurou que a ALL estuda um projeto de centro de captação de álcool em Mairinque (SP), onde já existe um entroncamento rodo-ferroviário. O álcool chegaria até o local via caminhão e seguiria até o porto de Santos (SP) por alcoodutos. Bernardo Hees, presidente da ALL, afirmou que a companhia tem projetos para o escoamento de álcool e açúcar, mas não detalhou como serão feitos os investimentos. Segundo ele, uma opção é a construção de vagões-tanques para o escoamento do produto. "Mas não há nenhum contrato fechado".

Com uma participação ínfima no setor sucroalcooleiro, a MRS - um consórcio da Usiminas, CSN, Vale do Rio Doce e Gerdau - está em fase inicial de um estudo de viabilidade para a construção de um base de concentração de açúcar em Jundiaí (SP), de onde escoaria o produto das usinas da região até o porto de Santos. "Queremos traçar um raio e ver quais usinas se interessam, para então fazermos o investimento de um terminal concentrador", afirmou o presidente Júlio Fontana Neto, que também admitiu já estar em contato com usineiros, sem abrir seus nomes ou valores de investimentos. "Ainda estamos na fase inicial e não sabemos se [o projeto] vai fechar a conta".

Segundo Fontana, planos para o transporte de álcool estão fora de questão. "Os preços de frete por duto são muito inferiores, não dá pra competir. Para entrar nisso, só se fosse lastreado em contratos de longo prazo." Hoje, a MRS escoa o produto de duas usinas do Grupo Cosan. A experiência teve início no ano passado, com o transporte de 60 mil toneladas, e deve encerrar 2007 com até 400 mil toneladas.

Maior grupo do setor, a Cosan escoa menos de 5% de sua produção de açúcar (de quase 3 milhões de toneladas) por ferrovias, segundo Paulo Diniz, vice-presidente de finanças. O grupo contratou o executivo Marcos Marinho Lutz, ex-diretor-executivo de infra-estrutura e energia da CSN, para ocupar a vice-presidência logística da companhia para desenvolver projetos neste sentido.

Boa parte da produção do país de açúcar é escoada via rodovia. Menos de 15% vão por ferrovias. A produção brasileira é de quase 30 milhões de toneladas. No caso do álcool, quase nada segue por trilhos. As exportações atuais estão estimadas em 3,5 bilhões de litros. Em cinco anos, os volumes devem atingir 6 bilhões de litros.

Os volumosos aportes da Petrobras, por meio de sua subsidiária Transpetro, na construção de alcoodutos - estimados em US$ 600 milhões e ligando as principais regiões produtoras, a partir de Senador Canedo (GO) ao porto de Ilha D'Água (RJ) - ainda não têm data fechada para sair do papel, mas devem começar este ano, de acordo com Marcelino Guedes Gomes, diretor de dutos e terminais da estatal.

Gomes afirmou que já está em operação um alcooduto ligando Paulínia (SP) ao terminal de Ilha D'Água. Esse alcooduto tem capacidade para 1,2 bilhão de litros por ano. Mas deste volume total, apenas 300 milhões são escoados atualmente, uma vez que a alternativa mais fácil às usinas é o porto de Santos (SP). A Petrobras ainda negocia o formato de seus investimentos para a construção dos alcoodutos. O projeto envolve, inclusive, parceiros estratégicos, como a japonesa Mitsui.

A baixa escala das exportações de álcool nos últimos anos foi considerada uma das travas para que os investimentos da Petrobras não deslanchassem mais rápido, segundo uma fonte da própria estatal. "Queremos mais usinas perto do eixo do duto para viabilizar economicamente o projeto", afirmou a fonte. A maior carência é em Goiás, onde começará o duto. Goiás não tem tradição em açúcar e álcool e só agora começam a surgir os primeiros grandes projetos de usinas no Estado. Segundo Gomes, o projeto dos alcoodutos da Petrobras é irreversível. "O mercado de álcool já está acontecendo".

Independentemente do projeto da estatal, as usinas do centro-sul começaram a articular um "plano B" para construir alcoodutos, como solução para o transporte do etanol, e unificar o escoamento rodoviário do açúcar por ferrovias e até hidrovias. A Unica (União da Agroindústria de Cana-de-Açúcar) ancora esse projeto, segundo o presidente Eduardo Pereira de Carvalho. "Os custos com frete para se chegar aos portos precisam ser reduzidos", disse. "Tudo é muito novo. Estamos elaborando estudos".

Os custos de transporte de um caminhão-tanque de Paulínia até Ilha D'Água, por duto, saem R$ 51 o metro cúbico. O mesmo trajeto por caminhão sai a R$ 90, segundo a Ecoflex Trading.

Os investimentos da iniciativa privada em infra-estrutura para álcool começam a ganhar corpo. "Estamos alinhados com a Unica em um grande projeto de logística", disse Melquíades Terciotti, diretor do grupo paulista Nova América, detentor da marca União, líder no varejo. Só 15% da produção da sua vai por ferrovias. "O álcool é distribuído 100% por caminhão."