Título: Abismo entre varejo e indústria se acentua
Autor: Martins, Arícia
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2013, Brasil, p. A5

O descolamento entre varejo e indústria aumentou em 2012, indicando que os estímulos dados pelo governo foram mais eficientes para ampliar o movimento do varejo que a produção industrial. Enquanto o primeiro encerrou os 11 meses até novembro com crescimento acumulado de quase 9% (8,9% no conceito restrito e 8,4% no ampliado, que inclui automóveis e materiais de construção civil), a produção do setor de transformação caiu 2,7% em igual período.

Essa "diferença" de 11 pontos percentuais só não é maior que a observada em 2009, ano em que, atingida pela crise externa, a produção sofreu tombo de 7,3%, enquanto as vendas do comércio subiram 6,8% no segmento amplo. Para economistas, as importações continuam explicando boa parte da discrepância entre consumo e produção industrial, mas ganharam relevância em 2012, a piora da economia internacional, que minou o desempenho das exportações, assim como o peso negativo dos estoques. Desde 2005, as vendas do varejo acumulam alta de 76% enquanto a produção cresceu apenas 8%, considerando o dado mensal com ajuste sazonal das duas pesquisas do IBGE.

Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Júlio Gomes de Almeida pondera que, comparando-se o desempenho do comércio com a evolução da produção de bens de consumo, que caiu 1% de janeiro a novembro, o descompasso entre indústria e varejo é menos elevado, mas ainda relevante. Almeida avalia que, sem o IPI reduzido, o descolamento poderia ser ainda maior. Em sua visão, a política de incentivo foi importante para que a indústria automobilística desovasse os estoques acumulados até meados de maio.

Entre janeiro e novembro, a produção de veículos automotores - que inclui caminhões - encolheu 7,5% sobre o mesmo período de 2011, enquanto as vendas de veículos, motos, partes e peças subiram 7,4% em igual comparação, diferença que, na opinião de Almeida, é explicada pelo processo de acúmulo de estoques na primeira metade do ano. Segundo a Anfavea, entidade que reúne as montadoras, a produção de veículos encerrou o ano com retração de 1,9%.

Para o economista, os importados não fizeram diferença para acentuar a discrepância entre oferta e demanda no ano passado, já que não ganharam terreno dos produtos nacionais e também não perderam participação no consumo interno, mas o recuo das exportações de bens industrializados em um cenário de fraca conjuntura global foi decisivo para esse movimento. Em 2012, o valor exportado de manufaturados ficou 1,7% menor sobre 2011. "O diferencial em relação a 2011 é a exportação, que se agravou", diz.

Segundo Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, o aumento generalizado de formação de estoques pelo qual a indústria passou em 2011 já determinou um fôlego muito menor para o crescimento do setor no ano seguinte, no qual, de acordo com suas projeções, a produção diminuiu 2,3%. "Sem o IPI reduzido, essa queda seria bem maior, em torno de 4% ou 5%", estima Silveira, para quem a competição com produtos importados, apesar do câmbio mais competitivo, também foi acirrada em 2012, quando o ambiente para exportações ficou ainda mais desfavorável.

O varejo, por outro lado, teria mostrado comportamento robusto, de acordo com o economista da RC, porque o desemprego nas mínimas históricas segue favorecido pelo aquecimento no setor de serviços e é o principal impulso para o consumo das famílias.

Fabio Ramos, da Quest Investimentos, afirma que boa parte do descompasso entre produção e vendas é explicado por diferenças metodológicas entre as pesquisas do IBGE. As vendas de alimentos, por exemplo, representam 50% do varejo restrito, enquanto pesam apenas 20% na Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF), de acordo com Ramos.

A despeito dessas questões técnicas, o analista afirma que os estímulos concedidos à atividade no ano passado surtiram mais efeito sobre o consumo do que no setor produtivo porque foram destinados a poucos setores, com destaque para automóveis. "Com estímulos a segmentos específicos, é difícil estimular a produção como um todo. Mas para o setor de carros, eles funcionaram".