Título: Empresas reforçam formação de pessoal no NE
Autor: Mandl, Carolina e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2007, Especial, p. A14

O crescimento do Nordeste acima da média nacional e a atração de investimentos para a região, muitos deles em novas áreas, esbarram na baixa qualificação da mão-de-obra local. Estaleiros, construção civil, comércio, petroquímicas e empresas de logística buscam desde técnicos especializados até gerentes e diretores. Para suprir as deficiências, muitas companhias investem na formação básica dos funcionários.

O estaleiro Atlântico Sul só dará início à construção de navios em 18 meses. Mas os executivos da empresa já estão quebrando a cabeça para solucionar um problema: encontrar mais de 3.000 pessoas para trabalhar no projeto. Mão-de-obra sem emprego não falta na região metropolitana do Recife. São cerca de 340 mil pessoas desempregados - 20,4% da população economicamente ativa -, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O problema é que essa população não está habilitada a erguer petroleiros.

Com a indústria naval desativada no país há cerca de duas décadas, o Atlântico Sul não tem a disposição profissionais como soldadores, encanadores e caldeireiros. Mas o estaleiro não será o único empreendimento a enfrentar esse problema no Estado. Até 2010, outros três projetos devem ser erguidos no Estado: uma refinaria, uma petroquímica e um pólo de produção de filamentos de poliéster. Somados ao estaleiro, eles criarão quase 8.000 vagas.

O desafio que se impõe ao Estado, aos municípios e aos investidores privados é capacitar essa mão-de-obra num curto espaço de tempo. "Sabíamos que teríamos que formar pessoas, só não imaginávamos que isso seria tão complicado", afirma Fábio Kakimoto, diretor de recursos humanos do estaleiro. Inicialmente, o estaleiro achou que o programa de treinamento criado pela Petrobras, que investiu na capacitação de profissionais para a área de petróleo e gás por meio do Programa de Mobilização da Indústria do Petróleo e Gás (Prominp), seria suficiente.

O Atlântico Sul, porém, logo percebeu limitações. O programa exige que as pessoas tenham, no mínimo, o primeiro grau completo, mas um levantamento constatou que os moradores de Ipojuca (PE), município onde o estaleiro está se instalando, possuem em média 3,6 anos de estudo.

A solução que vem sendo desenhada é uma parceria entre o município, o Estado, o Atlântico Sul e o Prominp. O governo deve dar um curso de nivelamento com aulas de português, matemática e raciocínio lógico. Parte disso será custeado pelo estaleiro, que ainda dividirá as despesas dos cursos técnicos com o Prominp. Somente para fazer esse nivelamento, deverão ser gastos cerca de R$ 8 milhões, despesa que será dividida entre Estado, municípios e as empresas que se instalam na região.

Na Bahia, as empresas enfrentam problemas semelhantes aos do Atlântico Sul. Em seus dois anos de vida, o serviço de intermediação de mão-de-obra da prefeitura de Salvador registra 132 mil pessoas interessadas em arranjar trabalho. Nesse período, o programa, conhecido pela sigla SIMM, captou 41,7 mil postos de trabalho, mas apenas 18 mil delas foram preenchidas.

A dificuldade em preencher as vagas decorre da baixa capacitação de boa parte dos inscritos, diz a gerente do SIMM, Rita Lélis. "É defeito da formação básica. Muitas pessoas com ensino médio completo não passam por um teste simples de interpretação de texto", disse.

O programa opera mais com vagas que não exigem curso superior, como de comerciário ou operador de telemarketing, mas oferece também oportunidades para engenheiros, assistentes sociais, médicos e técnicos industriais. Cerca de 15% do total de postos faz parte desse contingente, mas mesmo esses postos acabam não sendo preenchidos.

O índice de desemprego na região metropolitana de Salvador é de 22,3%, o mais alto do país. A deficiência na formação escolar, um problema não apenas local, não explica, sozinho, o número alto de desempregados, avalia a gerente do SIMM. "Sobra emprego em manufatura mais tradicional, de costureira ou eletricista. Muitos jovens saem da universidade com a ilusão de que vão todos trabalhar em frente a um computador", diz ela. "Ninguém quer ser pedreiro".

A aquecida indústria de construção civil de Salvador tem ajudado a recolocar no mercado engenheiros e técnicos em edificações, diz Walter Barretto, vice-presidente da Associação dos Empresários do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA). "Ainda há muita gente para ser absorvida pelo setor, mas deveremos ter problemas logo, logo", disse. "Há poucos cursos técnicos voltados à área e a qualidade da mão-de-obra tem caído por deficiência na educação". Em 2006, as vendas das associadas da Ademi baiana cresceram 38% em relação a 2005. Foram vendas de imóveis que começarão a ser construídos neste ano.

A baixa oferta de mão-de-obra especializada levou a Conseil, empresa de transporte e logística de origem baiana, a lançar neste ano um programa de formação de seus próprios executivos. Sessenta de seus quase dois mil funcionários foram selecionados para um programa de um ano de treinamento. A idéia é que eles comecem a ser preparados para comandar a companhia no futuro. Segundo o presidente da Conseil, Pablo Garcia, o crescimento do mercado exige que a empresa amplie em 20% seu quadro de gerentes e diretores a cada ano.

A principal dificuldade que as empresas encontram em Pernambuco atualmente é encontrar técnicos, principalmente mecânicos, elétricos e eletrônicos. As vagas de cursos técnicos atingem apenas 2,5% da população com perfil para esse tipo de formação, de acordo com dados da Secretaria de Ciência e Tecnologia. São 20,5 mil vagas em todo o Estado. "A carência é tão grande que o salário dos técnicos já se iguala ao valor que os graduados recebem", afirma Ana Thereza Almeida, da Fator Humano, empresa pernambucana de contratação.

É a dificuldade que o estaleiro está encontrando. "As pessoas muitas vezes se preocupam em ter o nível superior, mas um técnico é muito valorizado pelas empresas. Eles têm o conhecimento específico que buscamos", explica Edilson Rocha Dias, diretor-executivo do Atlântico Sul.

Para garantir que terão um técnico, as companhias também têm preferido contratá-los como estagiários quando eles ainda estão estudando. "Quem espera para empregar técnicos formados não encontra", diz Sumaia Ferreira, diretora da Agregar RH. Neste momento, o governo está mapeando a necessidade de técnicos em Pernambuco para definir quais tipos de cursos e quantas vagas criará. "O que já temos claro é que nossa prioridade será a criação de programas profissionalizantes", diz Aristides Monteiro, secretário de Ciência e Tecnologia.

O governo dividiu o Estado em 12 áreas econômicas e pretende implantar uma escola técnica em cada uma dessas regiões, gerando mão-de-obra para as empresas. Para Monteiro, não existe a necessidade de criação de novas vagas na graduação. "Acreditamos que há um grande contingente de pessoas formadas desempregadas. Talvez baste para esse grupo uma reciclagem ou uma migração de área."

Em um levantamento feito com três das principais empresas de contratação de profissionais em Pernambuco, o Valor detectou que a única especialidade de graduado que falta no Estado é a de engenharia eletrônica ou elétrica. Com um pólo de tecnologia instalado no Recife, a região tem demandado mais engenheiros do que vem sendo capaz de formar. "Temos ido buscar essas pessoas em outros Estados, principalmente na Paraíba, que tem bons cursos", diz Thereza, da Fator Humano.