Título: Precatórios e tributos: uma saída para o calote
Autor: Buschmann, Marcus Vinicius
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2007, Legislação & Tributos, p. E6

Está sendo discutida no Congresso Nacional uma alteração no sistema de pagamento dos precatórios por meio do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 12, de 2005 - a chamada "PEC dos Precatórios". Para aqueles que desconhecem o tema, os precatórios, em uma simples definição, representam dívidas da União, Estados, municípios, Distrito federal e autarquias oriundas de derrotas definitivas em processos judiciais e cuja liquidez e certeza tenham já sido apurados no processo judicial. Em regra e síntese, o precatório deve ser pago no ano seguinte à sua inscrição no orçamento.

Esta é a teoria no mundo perfeito das idéias, abusando-se aqui de um certo platonismo. Todavia, a realidade mostra que esta regra não é cumprida pelos entes públicos. É absurdo e imoral assistirmos credores, após longa batalha judicial, esperarem 10, 15 ou 20 anos para receberem seus direitos liquidados monetariamente no precatório. O expedidor de normas e regras de conduta acaba dando o pior exemplo e se tornando no maior caloteiro do país. Políticas públicas do passado, problemas inflacionários e de administração das finanças públicas nos levaram ao caos.

Entretanto, é importante focalizarmos a solução e não o problema. Temos que buscar soluções pragmáticas que possam transformar o Estado brasileiro em um exemplo de conduta e adimplência. A realidade nos mostra que as dívidas totalizadas nos precatórios em atraso, em especial os municipais e estaduais, são praticamente impagáveis em tempo hábil. Todavia, também não deve ser incentivado ou agraciado o calote do Estado. O que mais nos surpreende é que o mecanismo possível já esta previsto em texto constitucional, sendo desnecessária, em nosso entendimento, qualquer emenda constitucional.

O artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) prevê claramente que os precatórios pendentes que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu real valor, acrescido de juros, em dez parcelas anuais e sucessivas, permitidas a cessão dos créditos. Além disso, o parágrafo 2º do mesmo artigo dispõe que, se não liquidadas as prestações anuais, os mesmos terão poder liberatório no pagamento de tributos da entidade devedora. Portanto, a previsão constitucional já existe. Basta que seja aplicada.

Apesar de entendermos como de eficácia plena o dispositivo constitucional, para clarificar e impor responsabilidades deverá o governo federal e o Congresso Nacional editar uma lei complementar regulamentando a cessão dos créditos e o pagamento de tributos, de forma racional, razoável e proporcional, pois acreditamos que os entes públicos não podem sofrer problemas de caixa e fluxo de receitas em virtude das políticas passadas.

Precisamos urgentemente dar alguma solução ao infeliz que tem o direito de receber o precatório. As minorias, como são os credores do Estado brasileiro, também devem ser protegidas, pois podem ser desde empresas riquíssimas até famílias paupérrimas, podendo a dívida ser uma restituição de um tributo pago indevidamente ou uma indenização a vítimas de ato ilícito. Fato é que todos são credores e merecem respeito em seu direito de receber o que é devido conforme a lei e após decisão sacramentada pelo Poder Judiciário.

Ao invés de procurarmos culpados, olhemos à frente e pensemos em soluções. Uma sugestão ao tema é a lei aclarar o que a Constituição Federal já deixou cristalino: permitir que créditos possam ser cedidos a terceiros e que o precatório libere o credor (ou adquirente-cessionário) do pagamento de tributos até o montante do crédito. Como alguns entes públicos poderão ter receio de problemas de caixa, a lei complementar poderá limitar a utilização dos créditos advindos de precatórios no pagamento de tributos, limitando a eventual compensação, por exemplo, a 30% do montante de tributos a pagar anualmente pelo adquirente do precatório cedido.

Esta limitação é importante pois o Estado brasileiro não pode ter uma crise no fluxo de receitas. Assim, por exemplo, o ente estatal irá quitar o débito em dez anos (ou mais) e limitará este ajuste de contas em 30% do que o adquirente do precatório tem a pagar de tributos ao ano até que a dívida seja totalmente quitada. Obviamente que juros e correções normais de mercado deverão existir.

O sistema de leilão proposto na PEC dos Precatórios é indigno. Beneficia o Estado caloteiro. O leilão deverá existir como liberalidade do credor. Portanto, a oferta deve ser para que outros entes privados possam adquirir o título e utilizá-lo como moeda de troca nos pagamentos dos tributos. Assim sendo, o deságio não será tão elevado quanto no caso proposto na PEC, onde o Estado estará leiloando para saber quem quer receber na frente, sistema o qual tem a constitucionalidade e a moralidade suspeitas. O sistema deve ser favorável à sociedade como um todo, de forma razoável e proporcional, pois os direitos das minorias (os credores) devem ser respeitados.

Devemos deixar o mercado e a economia tratarem o precatório como quaisquer outros títulos públicos existentes, para serem constituídas diversas modalidades de operações financeiras e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), permitindo alternativas aos credores. A opção de deságio do precatório será do credor, evitando deságio imposto pelo devedor com a imoral ameaça de um longínquo recebimento.

Desta forma, sem emendarmos a Constituição Federal e prestigiando o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, estaremos auxiliando os credores dos precatórios a receberem o máximo possível pelo seu crédito, através de cessão onerosa e privada de crédito, auxiliando o Estado a equacionar a dívida pública, sem, contudo, perder fluxo de receitas e, por último, contribuindo e fomentando a economia.

Marcus Vinicius Buschmann é advogado, sócio do escritório Buschmann & Associados - Advogados e Consultores e mestre em direito tributário

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