Título: Reserva de energia está superestimada, diz Veiga
Autor: Schüffner, Cláudia; Polito, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2013, Brasil, p. A5

Enquanto o governo federal afirma oficialmente que não há risco de escassez de oferta de energia, o consultor Mario Veiga, diretor da PSR, diz que existe um risco de pelo menos 9% de que seja necessário decretar um racionamento de energia elétrica no Brasil em maio deste ano. Veiga é uma das maiores autoridades do setor elétrico brasileiro e especialista de confiança da presidente Dilma Rousseff. Ele ajudou o governo na regulamentação para renovação das concessões e também foi contratado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso durante a crise de 2001.

Entre as preocupações de Veiga, e que acende uma luz amarela extra, está a baixa eficiência do sistema. Nos seus cálculos, a energia realmente garantida no país é menor do que o estimado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que em 2012 indicava uma folga de 2.500 MW médios de oferta. Esse volume equivale a mais da metade da energia assegurada de Belo Monte, que está sendo construída no rio Xingu. O especialista acredita que não existe essa sobra.

Nas simulações feitas pela equipe de Veiga, usando a mesma metodologia usada pelo governo, os reservatórios das hidrelétricas chegaram ao fim de novembro com 55% de armazenamento em média. Mas na operação real, que só é possível enxergar "a posteriori", os reservatórios alcançaram o nível médio de 33%. As razões para a diferença encontrada ainda estão sendo investigadas pelo consultor.

Ele, no entanto, já trabalha com pelo menos dois motivos: restrições na transmissão de energia e uma ineficiência estimada de 11% na operação das hidrelétricas. "É como se, para gerar 1 megawatt-hora (MWh), fosse preciso gastar 11% a mais de água do que os modelos oficiais indicam", explica Mario Veiga. "Temos um reforço de transmissão para a região Nordeste que está cronicamente atrasado. Ele só vai entrar em operação em 2015", complementa.

Com relação às hidrelétricas, ele acha possível que as usinas estejam operando com coeficientes de produção menores que os nominais, o que pode ser causado por equipamentos descalibrados ou assoreamento dos reservatórios. Veiga enxerga um problema institucional, já que o ONS não pode inspecionar equipamentos, enquanto a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela supervisão, não possui técnicos que entendam tanto do sistema quanto o ONS.

Outro exemplo do que pode estar reduzindo a eficiência da transmissão é o fato de a hidrelétrica de Itaipu estar enviando menos energia para o sistema durante períodos de chuva na região do Paraná. Nessas condições climáticas, o ONS determina que as linhas de transmissão enviem menos energia por questões de segurança, mesmo após a instalação de equipamentos de proteção nas linhas, após o apagão ocorrido em 2009.

A PSR também questiona a qualidade dos dados relativos as chuvas no Nordeste. "Desde 1993, com exceção do ano de 2009, todas as vazões do Nordeste foram abaixo da média oficial. É como se você sorteasse uma moeda 20 vezes e desse 19 "caras" e uma "coroa". A probabilidade de isso acontecer é de um sobre 200 mil. Se durante 20 anos a vazão está abaixo da média, talvez a média esteja errada", diz Veiga, que acredita que outra possibilidade para o fenômeno seja o uso excessivo de água do rio São Francisco para irrigação.

Os cálculos da consultoria que indicam o risco de 9% de racionamento em maio foram feitos com base em uma fiel reprodução da operação do sistema pelo ONS e consideram o despacho contínuo de mais 3 mil MW médios de termelétricas. Nesses números estão incluídas térmica como a de Uruguaiana, da AES, e considerada a parada programa das usinas nucleares de Angra. Procurado, o ONS, que vem enfatizando que não há risco de racionamento no Brasil, informou que não comentaria o assunto.

O risco apontado por Veiga pode ser ainda maior. A PSR já está trabalhando em um novo cenário que inclui dados que foram calibrados com a realidade operativa de 2012 no modelo que a consultoria usa para projetar o risco de 2013. Adicionando-se o que Veiga chama de "fricção" às simulações, o risco de um racionamento aumenta consideravelmente, mas a PSR ainda não tem um número fechado.

"De todos os cenários que simulamos da situação de hoje, em 9% deles, pela lógica do modelo, seria obrigado a decretar racionamento [em maio]. Não é [um percentual] para se suicidar, mas mesmo todas as térmicas disponíveis não conseguiriam garantir a segurança do suprimento em todos os cenários", explica Veiga.

"Toda essa simulação foi feita sem nenhuma fricção, com dados oficiais. O que a gente está calculando é quanto seria esse número com fricção. Eu não vou dar [esse número] no momento. Só posso garantir que é maior."

O especialista ressaltou que esse risco evolui ao longo do tempo e que se as vazões de fevereiro forem favoráveis, esse risco diminui, e vice-versa. "Esse é um retrato do sistema visto hoje. A situação pode melhorar ou não", frisou o consultor, acrescentando que o risco de racionamento só será conhecido em maio.

Outro fato que chamou a atenção da PSR foi que 2012 começou com o maior nível de armazenamento dos últimos 12 anos. E, apesar de ter chovido o equivalente a 87% da média histórica, os reservatórios chegaram ao fim do ano passado com o pior armazenamento desde o período pré-racionamento.

"Para você entender o risco de racionamento em 2013, você tem que entender porque o sistema esvaziou de maneira tão rápida em 2012. Se o fenômeno que fez o sistema esvaziar de uma maneira aparentemente abrupta em 2012 se repetir para 2013, a situação é muito mais séria", afirmou.

Outro indicador utilizado por Veiga para calcular a probabilidade de racionamento é o "risco de qualquer déficit" de energia. O indicador é calculado a partir de simulações do sistema que apontem um custo de operação superior a R$ 1.200 por MWh. O valor, definido pela Aneel, é o custo econômico do racionamento. Ou seja, na teoria, se o modelo de simulação calcular que o custo de atender a demanda é maior que os R$ 1.200 por MWh, vale mais a pena cortar a demanda. Atualmente esse custo, medido pelo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), está em R$ 555/MWh.

Com base nos indicadores utilizados pelo ONS, o consultor detectou que, no início de janeiro, o risco de déficit é de 18%. Esse número poderá chegar a 25% em fevereiro se a hidrologia continuar desfavorável, segundo estimativas de agentes. Em 2008, quando o país viveu uma crise de gás combinada com poucas chuvas, o risco chegou a 20%. Só como base de comparação, em 2001, antes do racionamento de energia, o "risco de qualquer déficit" ficou perto de 30%.