Título: Onde foram parar os trabalhadores especializados?
Autor: Coy, Peter e Ewing, Jack
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2007, Especial, p. A24

Empregadores em alguns lugares improváveis dizem estar com dificuldades para preencher postos de trabalho. Administradores de fábricas da cidade de Ho Chi Minh (Vietnã) relatam que muitos de seus empregados que ganham US$ 62 por mês foram para casa no feriado do Tet, em fevereiro, e nunca retornaram. Na Bulgária, é tão alta a demanda por especialistas em informática que estes sequer se deram ao trabalho de responder a um anúncio de empregos publicado por um estúdio cinematográfico de Los Angeles. E em Peoria (EUA), a Caterpillar está com dificuldades para treinar um número suficiente de técnicos de manutenção. O problema, em cada um desses casos, é que não há pessoas suficientes simultaneamente em condições e dispostas a assumir o trabalho pela remuneração oferecida. "Estamos com um problema mundial. E ele só vai continuar a se agravar", diz Stephen Hitch, gerente de recursos humanos da Caterpillar.

Uma escassez mundial de mão-de-obra que já está sendo sendo sentida por alguns empregadores, parece ter se intensificado nos últimos meses, apesar de cortes de pessoal amplamente noticiados, como o plano do Citigroup de demitir até 15 mil funcionários. Na realidade, o desemprego nos EUA continua baixo -apenas 4,5% em fevereiro - e até companhias em países com taxas de desemprego mais altas estão sentindo um aperto.

"Não se trata de um fenômeno americano apenas", afirmou Jeffrey A. Joerres, CEO da Manpower, uma agência de empregos. Em 29 de março, a Manpower divulgou os resultados de uma pesquisa envolvendo quase 37 mil empregadores em 27 países. O estudo descobriu que 41% delas estão com dificuldades para contratar as pessoas de que necessitam.

O que está acontecendo? Devido a um crescimento global que oscila em torno de aquecidos 5% ao ano desde 2004, as estratégias que as companhias desenvolveram para manter baixos os custos trabalhista - incluindo terceirização alocada a países caracterizados por baixos salários - estão perdendo o gás mais cedo do que muitos esperavam.

As aparentemente inesgotáveis reservas de mão-de-obra barata na China, na Índia e em outros países estão secando, à medida que a demanda vai superando a oferta de pessoas com as capacitações necessárias. "As companhias esperavam não ter de se preocupar, absolutamente, com recursos humanos", diz Peter Cappelli, diretor do Centro para Recursos Humanos na Wharton School, da Universidade da Pennsylvania´s. "Mas agora têm."

As empresas estão determinadas a manter os custos trabalhistas sob controle, de modo que estão recorrendo cada vez mais à criatividade. Algumas delas estão oferecendo mais treinamento na própria companhia, para não ter de disputar talentos mais caros no mercado. Algumas estão baixando seus padrões para novas contratações ou transferindo operações para territórios virgens, ainda não descobertos por outras terceirizadoras, como Minsk, capital de Belarus, ou cidades de menor porte na Bulgária e na Romênia.

Por ora, porém, os trabalhadores com as habilidades atualmente escassas estão aproveitando ao máximo essa situação. Se você é um engenheiro petrolífero no Colorado, onde companhias do setor energético como a Shell, EnCana e Halliburton estão contratando desenfreadamente, você pode ditar as regras. Mesmo trabalhadores não especializados estão sendo "roubados" de outras empresas, diz Sue Tuffin, diretora do Mesa County Workforce Center em Grand Junction, Colorado. "Os pais estão tentando convencer seus filhos a continuarem na escola", diz ela, mas a sedução dos campos de gás é forte: "Você pode trabalhar numa torre de perfuração sem treinamento e ganhar US$ 30 por hora". A Consol Energy, de Pittsburgh (EUA), está tão desesperada por mineiros de carvão que está promovendo uma campanha de mídia que inclui outdoors, internet e inéditos comerciais de TV. Na agricultura, a repressão à imigração ilegal reduziu em tal medida a oferta de mão-de-obra agrícola que parte das colheitas foi deixada apodrecendo nos campos no ano passado. Até mesmo Michigan, que tem a mais alta taxa de desemprego dos EUA, está tentando atrair trabalhadores agrícolas migrantes do Texas e, em breve, da Flórida. Seu slogan é "Venga a Michigan" (assim mesmo, em espanhol), visando os latinos.

Para os empregadores americanos, o posto de trabalho mais difícil de preencher é o de representante de vendas. O problema é que as companhias não conseguem encontrar gente com a competência técnica e vivência comercial para explicar produtos complexos aos clientes, diz a Manpower. Depois deles, na lista de desejos dos empregadores americanos, vêm professores, mecânicos e técnicos. "Há certas profissões com tal demanda que mesmo gente na média ou abaixo da média pode conseguir ser contratada", diz Michael Alter, presidente da SurePayroll, que monitora o mercado de trabalho ao processar folhas de pagamento de pequenas empresas.

Economistas, evidentemente, dirão não existir essa coisa denominada escassez de mão-de-obra. Do ponto de vista do trabalhador, muitos casos de escassez de mão-de-obra poderiam ser solucionados rapidamente se os empregadores oferecessem mais dinheiro. E, em todo o mundo, milhões de pessoas continuam incapazes de achar trabalho. A mais forte evidência de que não há, atualmente, escassez generalizada é que a remuneração média dos trabalhadores mal ultrapassou a inflação. Nos EUA, a parcela da renda nacional convertida em lucratividade empresarial, em vez de, digamos, ser apropriada pelos trabalhadores, está no seu maior nível em 50 anos. Com tanta gente recém-disponível para trabalhar na China, na Índia e na ex-União Soviética, a única coisa que poderia criar uma escassez real seria "uma pandemia global que matasse milhões de pessoas", escreveu Richard B. Freeman, economista da Universidade Harvard, em análise publicada em setembro.

Mas tente dizer isso a empregadores cujas políticas de recursos humanos, desenvolvidas para um período de mão-de-obra abundante, não se coadunam com as novas realidades. O desafio é encontrar gente capacitada para assumir os cargos em aberto. No Japão, as indústrias estão sofrendo uma falta de trabalhadores especializados devido ao envelhecimento da população e ao downsizing ocorrido durante a década de 90. "Agora, elas estão pagando o preço por não terem desenvolvido seus recursos humanos", diz Hisashi Yamada, economista do Instituto de Pesquisas Japonês, em Tóquio.

A China, embora bem mais jovem que o Japão, poderá em breve sentir o mesmo desconforto. Evidentemente, o maior problema para os chineses continua sendo a criação de emprego para os milhões de trabalhadores que afluem às cidades. De modo geral, os salários praticamente não estão crescendo. Mas isso pode estar começando a mudar, à medida que o governo amplia os estímulos para que as pessoas fiquem nas áreas rurais e que a maioria das fábricas permaneçam concentradas em poucas regiões costeiras. Em artigo publicado no início de março no "China Daily", Cai Fang, um economista em Pequim, disse que a China está se aproximando de um "ponto de inflexão lewisiano". Essa é uma referência a Arthur Lewis, já falecido, vencedor de um Prêmio Nobel, para quem os salários industriais nos países em desenvolvimento começam a subir rapidamente no ponto em que a oferta de mão-de-obra excedente do interior do país vai rareando.

Empregadores de todo o mundo, preocupados com custos, estão fazendo o que podem para manter os salários baixos. No Japão, o núcleo da inflação em janeiro foi exatamente zero, em parte porque as empresas estão fazendo o máximo para segurar os salários. Por isso, as empresas japonesas estão recorrendo a outras medidas, como contratações de temporários em tempo integral, crescente mecanização, trabalho terceirizado e recontratação de aposentados. A Toyota Motor, por exemplo, está convidando alguns funcionários com mais de 60 anos a adiar sua aposentadoria por um ano ou mais. Na Europa, a Adecco, empresa suíça de colocação de pessoal, está ensinando carpinteiros poloneses a falar norueguês, para que aproveitem oportunidades de trabalho na construção civil em Oslo.

A Caterpillar, por sua vez, está redobrando seus treinamentos. Uma rede de escolas técnicas em seis países ministra um currículo aprovado pela Caterpillar, e os alunos que nelas se matriculam têm a garantia de que uma das revendedoras da marca os contratarão. Eles passarão até metade de seu tempo em treinamento nas revendedoras da companhia, em aprendizado no próprio ambiente de trabalho.

A escassez de mão-de-obra na Índia está recebendo muita atenção. Estranhamente, porém, a pesquisa da Manpower descobriu que os empregadores na Índia relataram os menores problemas para preencher seus postos de trabalho: apenas 9% disseram terem sentido dificuldade, contra 41% nos EUA e 82% no México. A explicação? Os analistas da Manpower acreditam que o giro de pessoal é tão rápido na Índia que os empregadores acham que, se realmente precisarem preencher um posto de trabalho, irão atrair alguém empregado numa outra empresa.

Mas subtrair talento escasso de concorrentes não é uma estratégia viável no longo prazo. É por isso que os empregadores estão em campanha total para intensificar o treinamento e melhorar o nível educacional. Embora a Índia diplome 400 mil engenheiros por ano, poucos têm a competência e o domínio de idiomas para trabalhar numa multinacional avançada. Por exemplo, cerca de 1,3 milhão de pessoas se candidataram para trabalhar na Infosys Technologies, gigante no setor de serviços de tecnologia da informação no ano passado, mas a companhia diz que só 2% deles eram empregáveis. Para as empresas, parece não haver falta de trabalho para conseguir minorar a escassez de trabalhadores. (Tradução de Sergio Blum)