Título: Gestão para o futuro
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2007, Caderno Especial, p. F1

O mercado de investimentos sustentáveis no Brasil é considerado um dos mais promissores do mundo entre as economias emergentes. A necessidade de adicionar valores socioambientais às operações das empresas criou uma indústria extremamente rentável do ponto de vista financeiro. Atualmente, sete bancos locais administram 12 fundos - com patrimônio total de R$ 1,376 bilhão - formados por companhias que atuam de forma responsável na sociedade.

Agora, os especialistas concordam que o país entra numa nova fase, primordial para a expansão futura. E dois movimentos são fundamentais para dar novo fôlego ao setor nos próximos anos.

A entrada dos fundos de pensão no mercado em 2007 é um deles. No final de março, 15 instituições assinaram um documento se comprometendo a tomar decisões de investimento com base em variáveis sociais, ambientais e de governança das empresas. Os fundos deverão seguir uma cartilha com seis regras de conduta para nortear a seleção de suas carteiras de aplicações. Com isso, começam a ser feitos cálculos sobre o possível tamanho do setor de investimento sustentável após uma injeção de capital dos fundos de pensão - com ativos totais que ultrapassam R$ 380 bilhões. "Com o poder econômico desses fundos, mesmo que entrem discretamente no mercado, já fará uma bela diferença", diz Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.

Outra mudança é aguardada. Especialistas acreditam que uma nova leva de bancos - de grande e médio portes - deva começar a criar, a partir deste ano, os seus fundos de investimento em sustentabilidade corporativa. Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Unibanco, ABN Amro Real, HSBC e Safra já têm os seus veículos de investimento. Cada um administra um ou dois fundos, em média, com 20 a 30 empresas no portfólio.

Na avaliação de Maia, há uma série de outras razões que explicam o otimismo generalizado do setor. "Temos os grandes bancos fortemente engajados, com fundos que já se tornaram referência no segmento e registrando taxas de rentabilidade elevadas", afirma ele. "O setor financeiro é o que mais rapidamente tem absorvido as mudanças na relação entre capital, meio ambiente e sociedade. Esse é um caminho sem volta", diz Luiz Maia, vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid).

Em 2006, os fundos acumularam taxas de rentabilidade elevadas e o desempenho se mantinha positivo para alguns produtos até a semana passada. O fundo de ações Ethical, do ABN Amro Real - com patrimônio líquido de R$ 240 milhões no último dia 19 - acumulou valorização de 34,8% no ano passado, superior ao Ibovespa, que subiu 33% no mesmo período. Desde o lançamento do produto, em 2001, até o final de março a valorização atingiu mais de 356%, em comparação a 248% do Ibovespa. O HSBC Sustentabilidade Empresarial ISE, com R$ 86 milhões em patrimônio líquido no dia 19, atingiu rentabilidade de 40,33% em 2006 - acima do índice da Bolsa - e de 37,86% desde o início da operação, em janeiro de 2006, até março.

De 1º de janeiro a 19 de abril, todos os bancos que possuem produtos na área registraram valorização em suas carteiras. Mas a maioria dos fundos verifica rentabilidades abaixo do Ibovespa neste ano. A valorização acumulada do índice da bolsa ficou em 11% no ano, até a semana passada. No mesmo período, os fundos sustentáveis registraram taxas mais baixas, com exceção do fundo Ethical, do ABN, com alta de 12,5% até o dia 19. O Unibanco lançou o seu produto em 16 de março e, até a última passada, o fundo atingia uma valorização de 8,15%.

Na avaliação de Monzoni, mesmo com as boas perspectivas futuras para o segmento, é preciso levar em conta que ainda há uma base pequena para análise: o patrimônio dos fundos é 0,15% do volume total administrado pelo setor de investimentos no país - que soma cerca de R$ 910 bilhões. "Ainda é um suspiro dentro de um segmento de bilhões de reais. Mas, de qualquer forma, está claro para os participantes desse processo, empresas e bancos, que esse é um movimento que não dá para ser ignorado", diz Monzoni.

-------------------------------------------------------------------------------- Especialistas esperam que nova leva de bancos comece, ainda este ano, a criar seus fundos de sustentabilidade --------------------------------------------------------------------------------

O ABN Amro Real já se movimenta para criar novas opções de investimentos ao mercado. Pedro Villani, gestor de renda variável da instituição, não dá detalhes, mas revela que é possível haver "novidades daqui a alguns meses". Segundo ele, o banco pensa em criar fundos que incluam empresas que contribuam para o desenvolvimento sustentável em áreas ligadas, por exemplo, às variações climáticas.

O que há em comum na maioria dos bancos é a gestão ativa de seus fundos de investimento sustentável. Ou seja, eles não seguem a mesma composição da carteira do chamado índice ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), mas o utilizam como parâmetro. O ISE foi criado pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e mede o retorno total de uma carteira teórica composta por até 40 ações de empresas comprometidas com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial. Os papéis são selecionados entre os mais negociados na Bovespa em termos de liquidez.

Para a sua criação, o Centro de Estudos de Sustentabilidade da FGV desenvolveu um questionário, entregue às companhias donas das 150 ações mais negociadas na Bolsa, com perguntas a respeito de suas práticas socioambientais e de governança. Todos os anos, o ISE é revisto por meio de informações atualizadas nesses questionários. No momento, o ISE é composto por 34 empresas de 14 setores e acumula uma rentabilidade bem próxima à verificada no Ibovespa.

A importância do ISE, diz Pedro Bastos, CEO do HSBC Investments, é que ele se transformou numa solução para os bancos definirem as suas carteiras de maneira mais confiável e foi importante pontapé inicial para a criação das carteiras dos bancos. Atualmente, nesse modelo de gestão ativa, os administradores formam as suas carteiras de maneira que o peso dos papéis da Petrobras e dos bancos seja menor que o verificado no ISE. "Só a Petrobras tem peso de 25% no índice e queremos uma diversificação maior. Além disso, operamos com total autonomia. Não incluímos em nosso portfólio algumas empresas que compõe o ISE, como a TAM, por exemplo", diz Marilia da Costa Dubois, gestora de fundo do Unibanco.

Aos poucos, a gestão ativa levou os bancos a criarem mecanismos internos de avaliação e a pensar em ampliar suas operações para outros mercados. Por exemplo, o ABN Amro Real já faz análises independentes da situação de 48 empresas dando notas a elas, de 0 a 5, para a formação de um rating interno. O Unibanco pretende aumentar a sua área de análise para criar fundos de sustentabilidade com a participação de empresas de outros países da América Latina, com uma gestão ativa na carteira.

Não há indicadores que situem os avanços do Brasil no mercado internacional de investimentos sustentáveis. O que mais se aproxima disso é a análise da Global Reporting Initiative (GRI), instituição independente que fomenta a prática de diretrizes responsáveis entre empresas no mundo. No ranking da GRI, o Brasil aparece em posição de destaque. Em 2006, 21 empresas nacionais declararam seguir os padrões éticos da entidade - e encaminharam relatórios para comprovar isso. México, Argentina e Chile tem menos empresas afirmando o mesmo.

Outro levantamento que destaca o país é o Guia de Sustentabilidade Global da consultoria KPMG, realizado em parceria com o Unep, o programa da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O estudo de 2006 cita o Brasil como o país emergente que tem tido uma participação "notável" no debate atual de desenvolvimento sustentável e detalha cases de empresas bem sucedidas na tarefa de adotar práticas corporativas mais responsáveis.

Na avaliação de Clarissa Lins, diretora da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), esse engajamento demonstra que a questão não é uma "moda passageira" do setor privado brasileiro. "Quando deixa de ser peça de marketing para se tornar peça de gestão, então não é mais apenas um frenesi", diz ela.