Título: Brasil é destaque nos Princípios do Equador
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2007, Caderno Especial, p. F2

O Brasil é o país emergente com maior número de bancos que seguem diretrizes socioambientais para a concessão de créditos ao setor privado. Essas instituições são signatárias dos Princípios do Equador, nome dado ao conjunto de critérios de análise de risco para financiamentos milionários de grandes empresas. Quatro bancos nacionais, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Unibanco, e dois internacionais com forte atuação local - ABN Amro Real e HSBC - seguem essas diretrizes. O segundo país emergente com mais bancos signatários é a África do Sul - com duas instituições cadastradas. A expectativa dos especialistas consultados é que essa posição de destaque do país se mantenha nos próximos anos.

"Os princípios são extremamente importantes e os mercados emergentes, em especial o Brasil, já entenderam isso", diz Danish Querish, gerente de risco sustentável para América do Sul do HSBC.

Em 2003, o Banco Mundial e a International Finance Corporation (IFC) estabeleceram normas para tentar nivelar análises realizadas entre os bancos para investimentos na área de infra-estrutura. Em linhas gerais, pode-se dizer que, se o projeto de investimento de uma companhia não atender as normas gerais seguidas pelas instituições financeiras, o dinheiro não sai. Para que o financiamento seja aprovado, o projeto deve receber classificação de acordo com seu nível de risco socioambiental: A (alto risco), B (médio risco) ou C (baixo risco). Para todos os projetos da categoria A e, se for apropriado, também para a categoria B, deverá ser apresentado um plano de gestão ambiental, com soluções, monitoramento, planos de ação, gerenciamento de risco e cronogramas.

Em julho de 2006, foram lançados os Princípios do Equador 2 com uma mudança relevante: desde janeiro de 2007, o valor limite para avaliação dos projetos de empresas caiu de US$ 50 milhões para US$ 10 milhões, ampliando o escopo de casos a serem analisados.

Boa parte das grandes empresas brasileiras já se adaptaram a esse processo de avaliação criteriosa. "Analisei em 2004 o meu primeiro projeto que seguia as determinações dos Princípios do Equador e, hoje, ao acompanhar outras solicitações de empresas, já dá para perceber como o processo se sofisticou e amadureceu", afirma Roberto Nakamura, gerente de compliance socioambiental no Unibanco.

De acordo com Christopher Wells, gerente de risco socioambiental do ABN AMRO Real, o maior entendimento em torno das diretrizes de responsabilidade corporativa deve produzir um efeito dominó entre as empresas, com fornecedores de companhias de maior porte também sendo cobrados para operar dentro de padrões responsáveis de sustentabilidade. Um bom exemplo é a cadeia de soja, afirma Wells. "Há iniciativas no sentido de os compradores de soja estabelecerem condicionantes para adquirir o produto. O mesmo acontece com a gusa [produto imediato da fundição do minério de ferro com carvão e calcário]. As empresas no Pará e no Maranhão estão mais preocupadas com a origem do carvão a ser utilizado nessa produção também", explica ele. "Não estamos no melhor dos mundos, mas houve uma evolução".

Os especialistas acreditam que o efeito-cascata no setor privado, com os fornecedores de grandes empresas sendo cobrados para atuar de forma responsável também, acontecerá aos poucos. "É possível que esse comportamento se expanda, com a cobrança acontecendo de cima para baixo da cadeia. Mas isso nem sempre ocorre rapidamente, às vezes o processo é lento porque exige adaptações das companhias e mudança de cultura na organização" afirma Pedro Bastos, CEO do HSBC Investments.

Para os executivos, a situação das companhias que tentarem obter recursos, sem alterar as suas políticas internas, pode se complicar daqui para frente. "Como mais bancos médios devem se tornar empresas abertas, eles terão de seguir regras mais rígidas de governança corporativa. Então, liberar recursos para companhias que tratam o meio ambiente e a sociedade de forma irresponsável será prática inadmissível", diz Luiz Maia, vice-presidente da Associação Brasileira de Fundos de Investimento.

Na avaliação da maioria dos especialistas, há uma questão ainda sem resposta: seria possível afirmar, com tranqüilidade, que nenhuma empresa com boas práticas no campo socioambiental opera sem dificuldades financeiras? Ou seja, há relação entre desempenho nos negócios e boas práticas socioambientais? "Essa é a pergunta de um milhão de dólares", diz Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV.

Segundo Monzoni, não se perde dinheiro adotando práticas corretas, mas isso não quer dizer também que se está ganhando muito dinheiro por conta de um comportamento mais responsável. "O que é certo é que, daqui para frente, serão as questões intangíveis que darão senso de valor aos negócios", afirma.

De acordo com Wells, é possível acreditar que há algum tipo de ligação entre retorno financeiro e práticas responsáveis, porém, afirma ele, "não é correto afirmar com certeza que quanto melhor é uma companhia em termos de responsabilidades socioambientais, melhor ela é em termos de resultados financeiros", afirma. "Essa análise precisa ser feita de forma muito cautelosa", afirma.

"O que posso dizer é que tudo se resume à palavra gestão. Se há uma empresa que pensa em tudo, ela vai tentar fazer tudo bem feito. Nota-se que, quando uma companhia é líder no mercado em que atua, ela tende a ter boas práticas em geral", diz Wells.

O executivo informa que 46 companhias que solicitaram recursos ao banco, e passaram por análises em suas práticas de sustentabilidade corporativa, tiveram o pedido de crédito rejeitado. Vinte e três empresas, desse total de 46, eram madeireiras. São analisadas cerca de 3 mil companhias por ano.

Na avaliação de Ingo Ploger, coordenador do grupo de trabalho sobre atração de investimentos estrangeiros para o Brasil da Câmara Americana de Comércio, um dos principais efeitos dessa mudanças recentes está no aumento da transparência na relação entre as empresas e sociedade. "No passado, se você tinha alguma coisa feia para esconder, você ignorava aquilo e dizia para o banco: 'Eu sou perfeito'. Isso não existe mais. ", afirma.