Título: A necessidade de ajustes na política energética do país
Autor: Calou, Silvia Maria
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2013, Opinião, p. A10

As notícias sobre os baixos níveis dos reservatórios nas usinas hidrelétricas e consequente elevação dos preços de curto prazo da energia, que alcançou mais de R$ 500/MWh sinalizam uma situação de alerta no abastecimento de energia elétrica do país. Isso está ocorrendo porque uma situação de chuvas desfavorável deixou os reservatórios perigosamente próximos da linha de segurança, chamada de curva de aversão ao risco, quando o Operador Nacional do Sistema (ONS) toma a decisão de despachar usinas térmicas, mais caras do que as hidrelétricas, para suprir parte do mercado no curto prazo e garantir o suprimento dos meses subsequentes.

Por que chegamos a uma situação de risco e alto custos como esta que vivenciamos? No passado havia uma reserva que garantia a operação do sistema ao menor custo e risco por vários anos, chamado regime plurianual, por meio da utilização dos reservatórios das usinas existentes que garantiam esse suprimento. Na última década, o crescimento da economia, e consequentemente do consumo de energia elétrica, demandou um esforço de investimentos que elevou significativamente a capacidade instalada do sistema nacional. Entretanto, houve uma diminuição também significativa na capacidade de contenção de água acumulada. O período de operação garantida com os reservatórios existentes caiu para menos de um ano!

Assim, quando ocorre um período de chuvas menor do que o previsto, elevam-se os custos e o risco. Tal situação deve-se à decisão de planejamento de praticamente eliminar os reservatórios das novas usinas hidrelétricas, a exemplo de Belo Monte e das demais usinas na Amazônia. Essa decisão baseou-se numa percepção de que a sociedade não aceitaria novos reservatórios por questões socioambientais. Ao mesmo tempo, as usinas termelétricas mostram-se insuficientes para uma situação mais grave de estiagem, com o agravante de que não há térmicas previstas para entrar após 2013. Num sistema como o brasileiro de característica hidrotérmica, os reservatórios atuam para reduzir o risco e as termelétricas como um seguro para quando faltam as chuvas. Apesar disso, o que se observou foi um processo de "demonização" de ambos os instrumentos de segurança no sistema elétrico nacional.

A expansão do mercado de gás permitiria a atração de outros supridores além da Petrobras

No âmbito do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico - que coordenei entre 2009 e 2011 e que compreende as associações representativas de todos os agentes do setor - esse tema foi amplamente debatido e um dos argumentos pró-reservatórios era exatamente esse da segurança de suprimento. Por outro lado, como os reservatórios já existentes e planejados não ocupam nem 1% da região amazônica, ponderou-se que os seus benefícios para todo o país suplantariam os custos. Ocorre que não foi promovido um grande debate nacional sobre as opções energéticas, o que deixa o governo com a responsabilidade solitária de responder sobre os riscos atuais. Neste sentido, sugiro algumas medidas para o debate desse tema crucial para o país nos próximos anos:

1. A sociedade que hoje está perplexa com o cenário preocupante deveria ser efetivamente consultada, talvez até mesmo com a realização de um plebiscito, dada a importância e impactos das decisões de política energética na vida da sociedade atual e futura. Isto com divulgação dos impactos, custos e benefícios da lista de projetos previstos nos Planos Decenais de Expansão.

2. Para permitir discussões qualificadas, sugere-se a criação de um website interativo com vídeos e textos explicativos com área para debates, presença nas redes sociais, webconferências, associado a um esquema de distribuição do material em vídeo para escolas, universidades, Congresso Nacional, legislativos estaduais, municipais e outros agentes. Os vídeos poderiam ser apresentados nos transportes públicos, aeroportos, rodoviárias etc, num processo amplo de informação à sociedade.

3. A partir dessas discussões, com o Plano Decenal aprovado, sugere-se também que os projetos tenham tratamento prioritário nos trabalhos de licenciamento ambiental em seus diversos níveis, com estabelecimento de procedimentos específicos que permitam a previsibilidade de data e custos para término de cada fase do processo. Tudo isso sem desprezar a complexidade das questões socioambientais.

4. No que tange aos reservatórios, será que a sociedade brasileira consideraria uma utilização maior da Amazônia e outras áreas? Sabe-se que o responsável maior pelo desmatamento não é o setor de energia, assim haveria espaço para uma reconsideração dos reservatórios nas usinas futuras. Quanto à questão indígena, novos mecanismos poderiam ser pensados, como por exemplo, tornar os índios sócios dos empreendimentos, no sentido de reservar às populações atingidas uma renda permanente para auxiliar na sua preservação.

5. Criação de uma política para o gás natural. O mundo está vivendo o que tem sido chamado de "a era de ouro do gás" com descobertas muito significativas de reservas de gás natural convencional e do chamado gás não convencional ou gás de xisto. A perspectiva de expansão da oferta é impressionante. A inserção de térmicas a gás no sistema brasileiro, aproveitando este cenário traria mais segurança energética, pois estas podem ser ativadas a qualquer momento e também porque podem ser instaladas próximo aos centros de consumo com emissões de gases de efeito estufa reduzidas. Além disso, são ótimas âncoras para a expansão dos sistemas de distribuição de gás ainda muito tímidos no país. A expansão do mercado de gás permitiria a atração de outros supridores além da Petrobras, com benefícios à indústria e demais consumidores. Em São Paulo, estamos desenvolvendo um projeto para compra antecipada de gás pelas distribuidoras nos moldes do setor elétrico. Com isso esperamos trazer novos fornecedores e incentivar a competição e queda de preços para os consumidores.

Há muito a ser feito e o país tem todas as condições de realizar os ajustes necessários para uma garantia de oferta de energia suficiente e a custos razoáveis. Para isso, a ampliação do debate é fundamental.

Silvia Maria Calou é diretora presidente e de regulação técnica e fiscalização dos serviços de distribuição de gás canalizado da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp)