Título: Se não for bem conduzido, FPE é mais polêmico do que os royalties
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2013, Política, p. A9

Francisco Dornelles: "A grande prioridade do Brasil é aumentar o nível de investimento e desburocratizar"

Referência na discussão de temas econômicos no Congresso, principalmente quando envolvem questões federativas, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) considera a busca de entendimento em torno de novos critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) mais difícil que um acordo em torno dos royalties do petróleo.

Dornelles defende que o governo continue repassando o fundo em 2013 com base nos critérios atuais, deixando o Congresso negociar uma proposta com calma. "É assunto bastante complexo para querer que se vote nessa rapidez... Qualquer medida mais violenta seria indesejada", afirma, referindo-se ao risco de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que o governo suspenda as transferências.

Aos 78 anos, completados segunda-feira, ex-secretário da Receita Federal (1979-85) e ex-ministro da Fazenda (1985), é considerado pelos colegas "o mais sabido de todos". Presidente nacional do PP, partido aliado de Dilma Rousseff, nem sempre endossa as iniciativas do governo. Acha, por exemplo, que a antecipação das concessões do setor elétrico em troca da redução da conta de luz causa insegurança jurídica ao setor.

Em entrevista ao Valor, critica a articulação do governo no Congresso e aponta, como desafios da gestão da petista para os próximos dois anos "privatizar, desburocratizar e dar segurança jurídica".

Dornelles considera Dilma "fortíssima" candidata à reeleição, mas não se compromete com apoios. Ele é primo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), principal nome da oposição para concorrer com a presidente. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: O Congresso retoma as atividades com a discussão dos royalties do petróleo pendente. Os Estados produtores têm alguma estratégia para evitar a votação do veto da presidente Dilma Rousseff à mudança na repartição?

Francisco Dornelles: A confusão está generalizada. Ninguém duvida que petróleo é da União. Mas royalty é compensação devida a Estados e municípios que sofrem desgaste pela exploração. É o artigo 20, parágrafo 1º da Constituição. Estado e município não produtor não podem receber royalties nem do passado, nem do presente, nem do futuro. O que se discutiu até agora é o aspecto formal, se pode votar o veto desrespeitando a ordem cronológica. A decisão do ministro Luiz Fux [do Supremo Tribunal Federal] é que os 3 mil [vetos] têm de ser votados antes.

Valor: E se o veto for derrubado?

Dornelles: Aí vamos discutir o mérito no Judiciário. Ninguém tira os royalties do Rio nos campos já licitados. Os royalties do petróleo pertencem ao Rio de Janeiro da mesma maneira que o ICMS da soja pertence ao Mato Grosso. Mas risco existe em tudo. No Brasil você tem que conviver com o susto ou morrer de enfarte.

Valor: Líderes de partidos do governo assinaram requerimento pedindo para o presidente José Sarney convocar a votação dos vetos. O governo foi omisso?

Dornelles: Eles abandonaram a presidente. Mas o governo não conduziu a negociação desde o início. Deixou a questão avançar até se transformar em bandeira política de alguns políticos. A [presidente] Dilma só entrou firme no momento que fez o veto, coerente com declarações dela própria. Ela teve a coragem de dizer que não mexeria em campos já licitados.

Valor: Há problema na articulação?

Dornelles: A presidente Dilma é a grande gestora, a grande chefe de Estado, e tem que atuar também como articuladora política. Ela tem que ser obrigada [a fazê-lo], porque a articulação política do governo não existe. É inacreditável que as lideranças do governo na Câmara e no Senado se posicionem para derrubar o veto da presidente.

Valor: Mas a presidente não gosta de fazer política. Como é a relação com o PP?

Dornelles: Maravilhosa. Mantém o Ministério das Cidades nas mãos do partido, prestigia o ministro Agnaldo Ribeiro. O relacionamento dela com o PP é nota 10 com louvor. Às vezes tenho até vontade de dar uma ficha de filiação para ela assinar.

O relacionamento dela [Dilma] com o PP é nota 10. Às vezes tenho até vontade de dar uma ficha de filiação para ela assinar"

Valor: O Congresso não aprovou mudanças nas regras do FPE, como determinou o STF. O governo, por enquanto, decidiu não suspender o repasse, mas cobra pressa do Congresso para decidir a questão. O líder do PT, Walter Pinheiro (BA), teme que o STF notifique o Tesouro para paralisar. Acha que existe o risco?

Dornelles: O FPE tem distorções e é um problema que, sem não for bem conduzido, é mais polêmico que o dos royalties. Na questão do petróleo, são 24 Estados contra três. No FPE, são 27 Estados contra 27. O Congresso não conseguiu votar por razões de natureza política. Tudo que tem conteúdo federativo é votação complexa. Mas qualquer medida mais violenta [como a suspensão do repasse] seria indesejada. O Congresso tem todo o ano de 2013 para discutir o projeto. Não deve fazer isso de maneira tampão, correndo. Temos que discutir bastante. Não podemos fazer com o FPE o que se quis fazer com os royalties. Mas qualquer entendimento tem que ser feito no sentido de manter, durante dois ou três exercícios, o que cada Estado recebeu em 2011, corrigido pelo índice correspondente ao aumento do FPE.

Valor: Acha que o Congresso pode votar só no fim deste ano?

Dornelles: Segundo o parecer de um consultor do Senado, Fernando Trindade, a decisão do STF [que considerou inconstitucional o critério atual de distribuição do FPE] permite isso. O Tribunal de Contas da União (TCU) já definiu os coeficientes para 2013. E, se o objetivo do FPE é promover o equilíbrio socioeconômico entre os Estados, suspendê-lo só agravaria o desequilíbrio existente.

Valor: Há várias questões federativas em discussão, como guerra fiscal, tributação do comércio eletrônico, royalties do petróleo, FPE, endividamento dos Estados. Acumulou tudo?

Dornelles: O problema é o seguinte: o ICMS tem característica de imposto de natureza federal, que no regime militar funcionou, porque qualquer isenção só podia ser concedida por unanimidade. Ainda é assim, mas, naquela época, quem comandava o Confaz praticamente era o ministro da Fazenda. E num regime de força ninguém arriscava deixar de cumprir as determinações. Posteriormente, com a abertura, começaram a desrespeitar as decisões do Confaz. Surgiu a guerra fiscal. Todo mundo começou a guerrear entre si e gerou o caos. Agora, ela avançou muito e é tão enfronhada, que o Estado que é contra a guerra fiscal se beneficia também dela. Existe um emaranhado enorme de administração complicada, e não há solução fora de um acordo entre os Estados. Ainda está fora de controle, mas o Confaz está buscando.

Valor: E as empresas ficam ameaçadas de perder o benefício?

Dornelles: Qualquer acordo tem que respeitar o passado. As empresas não podem ser prejudicadas. O que já foi feito [incentivos já concedidos] tem que ser respeitado.

Valor: O governo enviou ao Congresso projeto de lei complementar que muda o índice de correção das dívidas de Estados e municípios com a União (IGP-DI por IPCA). O que acha?

Dornelles: Qualquer mudança nas regras de negociação tem que ter acordo das duas partes. No momento que estabelece o IPCA, com teto da Selic, já é uma mão que o governo oferece. Mas, pelo que senti, os Estados vão pedir a redução do teto do percentual sobre a receita líquida.

Valor: Estados e municípios reclamam da concentração de recursos na União. As desonerações do IPI do setor automotivo, por exemplo, teriam reduzido a base de cálculo dos fundos de participação.

Dornelles: Há o problema da União. Quando eu era ministro da Fazenda [em 1985], 70% da arrecadação da União vinha do imposto de renda e do IPI, base de cálculo dos fundos de participação de Estados e municípios. A União reduziu o IPI e criou a figura da Cofins. Diminuiu a base de cálculo de FPE e FPM. Isso foi acontecendo aos poucos, principalmente no governo Fernando Henrique. Mas tenho uma discordância com Estados e municípios. Se não tivesse desonerado o setor automotivo, não teria tido produção de automóvel e não teria IPI. Na hora da crise, não iriam produzir automóvel. Então, algumas desonerações não significam perda para os Estados.

Valor: Essa política está correta?

Dornelles: A política correta é a que está tomando a presidente: desonerar a folha. Quando desonera o IPI ou a Cofins, está estimulando o consumo interno. Mas está estimulando também a importação, porque o importado fica mais barato. Mas, quando você dá desoneração da folha, dá só àquela empresa que emprega no Brasil. Essa é a medida correta.

Valor: Qual o desafio do governo nos próximos dois anos?

Dornelles: É fundamental aumentar a taxa de investimento. Para isso o governo tem que partir para a privatização. A grande prioridade do Brasil é aumentar o nível de investimento e desburocratizar. É fundamental a presidente aumentar o nível de investimento. E para isso precisa do setor privado e precisa mostrar que sabe que o setor privado exige lucro. O governo tem que recorrer ao setor privado, que está com dinheiro, precisa investir, mas precisa ter segurança jurídica, garantia de que as regras não vão ser modificadas e que vão investir sem lucro.

Valor: Hoje há insegurança jurídica?

Dornelles: Está começando haver em alguns setores, como o elétrico. Essa MP [que renovou as concessões em troca da redução do preço da conta de luz] criou uma insegurança. O governo não pode pensar ou raciocinar que o setor privado vai investir sem possibilidade de ter lucro.

Valor: A fama de gestora da presidente tem sido questionada. O senhor concorda?

Dornelles: Pelo menos o discurso dela é de boa gestora. Vamos ver. Mas a burocracia que existe na Caixa Econômica Federal não existe em lugar nenhum no mundo. Eu gostaria de destinar recursos de emendas para saneamento e infraestrutura. Mas estou botando em máquinas agrícolas, creches, coisas que não passam pela Caixa. Não existe lugar no mundo tão burocratizado como a Caixa. Ninguém consegue liberar recursos. Nesses dois anos ela tem que enfrentar esse problema. A grande meta do Brasil hoje exige aumento da taxa de investimento. E para esse aumento, é preciso segurança jurídica, privatização e desburocratização.

Valor: A situação econômica pode ameaçar a reeleição de Dilma?

Dornelles: Olha aqui, dois anos no Brasil são dois séculos. A única coisa impossível no Brasil é prever o que é possível. Eu tenho direito de fazer minhas previsões erradas. Acho que a candidata é Dilma, uma fortíssima candidata.

Valor: E o senhor vai apoiar? Afinal, é primo do Aécio.

Dornelles: Eu ainda não estou raciocinando sobre isso. Estamos em 2013. Ano ímpar é de administração.