Título: Nos bastidores, EUA têm reservas ao etanol
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2007, Brasil, p. A3

A cordialidade nas discussões sobre novos combustíveis entre os homens públicos dos Estados Unidos e do Brasil podem passar a falsa impressão de que os americanos já encontraram alternativa para o petróleo e que uma parceria com o Brasil está sendo tratada com grande afeição.

Nos bastidores, contudo, é fácil constatar que, antes de mais nada, os Estados Unidos ainda não encontraram uma política energética de substituição do petróleo, seja para se defender da escalada dos preços ou para combater o aquecimento global. O debate está ainda na fase de proposta e, menos alentador para o Brasil: há uma rejeição pelo etanol, por parte da indústria, analistas e até em conseqüência de pressão das empresas petrolíferas.

Quando as discussões envolvem menos os porta-vozes oficiais das empresas e do governo e mais os técnicos, como ocorreu há poucos dias, durante um congresso de engenheiros da indústria automotiva, em Detroit, as indefinições em torno do tema ficam expostas.

Em discussões mais técnicas, a indústria deixa transparecer o receio de investir em tecnologias novas para combustíveis, principalmente porque não sentem firmeza num planejamento estratégico do governo dos EUA.

"Combustíveis alternativos custam dinheiro. Quem vai pagar, a indústria, o consumidor?", questiona o coordenador de pesquisa da AVL, um fornecedor de autopeças, Josef Affenzeller.

As discussões revelam que os técnicos e analistas são pouco simpáticos à idéia do etanol. Sob a ótica da indústria, esse é um combustível ainda pouco eficiente, principalmente nos EUA, onde o produto é derivado do milho. Com o etanol de cana-de-açúcar os carros ganham eficiência. Mas isso criaria uma dependência da importação do Brasil. Além disso, alertam os americanos, os EUA precisam investir numa infra-estrutura que não têm. Os postos de abastecimento do etanol ainda são escassos no país.

"Eu me preocupo com o alto custo de substitutos, como o etanol derivado do milho", afirma Steven Plotkin, analista de energia para transporte ligado à Argonne, um órgão público de pesquisa associado ao departamento de Energia dos Estados Unidos. "A indústria quer saber se vai conseguir vender carros com esse combustível e, além disso, se os preços do petróleo baixarem, o que será dos investimentos feitos em novas energias?", completa.

É preciso levar ainda em conta o lado cultural. O americano ainda é apaixonado pelos carrões e grandes picapes e parece pouco disposto a abrir mão desse seu luxo. Os executivos da montadora alemã BMW preocupam-se com uma mesma pesquisa que apontou respostas diferentes entre consumidores alemães e americanos. À pergunta sobre itens que devem constar na nova estratégia energética, 76,3% dos alemães acham que mudanças no estilo do motorista devem contar. Mas apenas 32% dos americanos responderam positivamente à mesma questão.

A BMW não esconde que concentra todo o seu trabalho de desenvolvimento de alternativas de combustível nas células de hidrogênio. "É mais caro de levar para uma produção em massa, mas é mais eficiente", justifica Christoph Huss, vice-presidente de ciência e políticas de tráfego do grupo BMW. "O hidrogênio oferece mais diversidade de energia primária e apresenta mais flexibilidade na aplicação; tem, assim, o maior potencial para substituir os combustíveis fósseis", acrescenta.

Já a Toyota , que começa a assumir a liderança mundial, foi uma das primeiras a apostar nos carros híbridos (movidos a gasolina e eletricidade). E a cada dia que passa acrescenta um modelo híbrido à sua linha de produtos. O luxuoso Camry é seu último lançamento.

Em defesa dos derivados do petróleo, Darran Messem, vice-presidente de combustível da Shell internacional, diz que "é muito difícil competir com o combustível fóssil". Para ele, o transporte continuará a incluir o fóssil em misturas com outras alternativas, como o próprio etanol. "Além disso, o petróleo e o diesel vão ser mais limpos no futuro", acrescenta. "Os benefícios dos combustíveis alternativos são atraentes, mas são mais sujeitos à variabilidade", sustenta.

O governo americano pretende reduzir o uso de gasolina em 30%. Hoje o país consome anualmente 140 bilhões de galões de gasolina. Todos concordam que a saída é reduzir a demanda e aumentar a eficiência dos veículos .

Mas, num debate ainda muito precoce, os envolvidos parecem não ver solução em quase nada. A discussão parece ainda longe do fim. "Biocombustíveis, como biodiesel e etanol contam com fontes limitadas e altos custos de implantação; já o hidrogênio apresenta um alto custo e risco financeiro tremendo. Já em relação aos carros elétricos, resta a pergunta: e as baterias?", diz Plotkin, da Argonne. "Temos de reconhecer o grande dilema que estamos enfrentando", completa.

A repórter viajou a convite da SAE