Título: Petrobras quer manter controle na Bolívia
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2007, Brasil, p. A4

A Petrobras sairá da Bolívia, em uma retirada traumática, caso o governo do país insista em desapropriar sem acordo as refinarias que a estatal mantém no país. A ruptura nas negociações é considerada inaceitável pelo governo brasileiro e levará a uma "deterioração" nas relações bilaterais, segundo avisou o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente boliviano, Evo Morales, em tensa reunião que tiveram na terça-feira, durante Cúpula Sul-Americana de Energia, na Venezuela. Lula apóia a decisão da Petrobras de recusar permanecer com as refinarias, se o governo local não lhe der o controle das operações.

Uma ruptura levará o Brasil não só a cancelar os investimentos na Bolívia como a desaconselhar outros países a investir no país, alertou Lula a Morales. A Petrobras até aceita a decisão da Bolívia de assumir a maioria acionária nas refinarias Gualberto Villaroel, em Cochabamba, e Guillermo Elder Bell, em Santa Cruz de La Sierra. Mas, para permanecer no país, como sócia minoritária, a Petrobras exige manter o controle operacional das instalações. Caso contrário, sairá do país, levando consigo os programas de computador, de sua propriedade, que permitem a operação eficiente das refinarias.

A data limite para um acordo, fixada por Morales, é 1 de maio. E as ameaças de ambos os lados mostram como a discussão sobre o controle das refinarias é tão ou mais importante, para a Petrobras, quanto o preço a ser pago pelas ações desapropriadas pelo governo boliviano. Sem os programas (softwares) da Petrobras, a Bolívia até poderá operar as instalações, mas terá de pedir ajuda externa, e, certamente, terá problemas e perderá eficiência.

A nacionalização é um direito da Bolívia, mas a Petrobras não pode correr o "risco" de ter seu nome envolvido em algum acidente provocado por erros de operação das refinarias, argumenta um assessor direto do presidente Lula. É a reputação da empresa que estaria em jogo, na opinião dos ocupantes do Planalto, que tem dado apoio total à Petrobras, no endurecimento com os negociadores bolivianos.

Para abrir uma janela de negociação, porém, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi encarregado de manifestar boa vontade do governo brasileiro em chegar a um acordo, e minimizar publicamente a crise entre os dois governos. Em La Paz, o próprio Morales negou que tenha sido tensa a reunião com Lula, questionando o relato do jornal "Folha de S. Paulo", o primeiro a noticiar o conflito na reunião durante o encontro bilateral na Venezuela.

"É totalmente falso, com o companheiro Lula temos muita amizade e coincidências" , garantiu Morales. "Não há diferenças que possam aparecer no Brasil como uma briga com o companheiro Lula", disse o presidente boliviano, ao garantir ter "respeito e admiração" pelo brasileiro, segundo noticiou a agência oficial de informações da Bolívia, segundo a qual o encontro dos dois presidentes teria ocorrido em clima de "cordialidade e respeito mútuo".

O prazo apertado para uma solução em torno das refinarias assumiu o primeiro plano, mas há outros conflitos graves entre Brasil e Bolívia no processo de nacionalização. Está em vigor, na Bolívia, a resolução 255, de Evo Morales , que obriga a Petrobras a dar prioridade ao abastecimento interno. A resolução, segundo calcula a empresa, deverá provocar prejuízos para a Petrobras, ao multiplicar por dez o volume hoje fornecido ao mercado boliviano pelos campos de San Alberto e San Antonio, e exigir o corte de cerca de três milhões de barris no volume direcionado ao mercado brasileiro, que paga mais pelo produto.

Na avaliação do governo brasileiro, a produção atual de gás na Bolívia é insuficiente para atender ao mercado interno e cumprir os compromissos já assumidos pelo governo boliviano, de abastecimento do Brasil e Argentina. A resolução 255 funcionaria, assim, como uma forma de obrigar a Petrobras a investir pesadamente no aumento de capacidade de produção, direcionar seu fornecimento ao mercado interno, mais barato, e deixar a fatia mais lucrativa do negócio, a exportação, com outras empresas, especialmente a Chaco, controlada pela British Petroleum. Lula disse a Morales que pensava ter resolvido esse problema, ao concordar com o aumento no preço do gás fornecido pela Bolívia ao Brasil, em acordo firmado há alguns meses.

Morales prometeu a Lula que, se for necessário tomar as refinarias da Petrobras, isso será feito sem o aparato militar, com tropas do Exército, que foi usado quando anunciada a nacionalização do setor de hidrocarbonetos, há cerca de um ano.

Lula recebeu a informação com irritação. Sem acordo com a Petrobras, o Brasil não investirá mais nem um centavo no país, segundo garante um bem situado auxiliar do presidente. Haverá deterioração nas relações entre os dois países, e consequências danosas para os investimentos internacionais na Bolívia, que deixariam de ser recomendados pelo brasileiro.