Título: Política externa começa em casa, diz Kerry
Autor: Dyer, Geoff
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2013, Internacional, p. A8

John Kerry, indicado para ocupar o cargo de secretário de Estado dos EUA, disse ontem que a maior prioridade de política externa americana nos próximos anos será solucionar os problemas orçamentários do país e superar "impasse e disfunção".

Após o discurso de posse do presidente Barack Obama na segunda-feira, que se concentrou principalmente em questões domésticas, Kerry também enfatizou que os obstáculos gerados internamente prejudicam a manutenção da influência internacional americana.

"A prioridade máxima que afetará minha credibilidade como diplomata (...) é se os EUA finalmente colocarão sua própria casa fiscal em ordem", afirmou Kerry em sua sabatina de confirmação no Senado. "É urgente mostrar às pessoas que podemos fazer a nossa lição de casa de uma forma eficaz e oportuna."

Após as fagulhas de anteontem, quando a secretária de Estado, Hillary Clinton, depôs sobre o ataque em Bengazi (que causou a morte do embaixador americano na Líbia), a sessão de ontem com a participação de Kerry foi uma oportunidade para o Senado exibir o seu lado simpático, quando membros de ambos os partidos alinharam-se para elogiar sua nomeação, que deverá ser aprovada facilmente. Ele foi apresentado à comissão pelo senador republicano John McCain, que elogiou sua qualidade de "estadista exemplar", ao ajudar a negociar a normalização das relações com o Vietnã depois da guerra em que ambos combateram.

Mas alguns senadores republicanos emitiram sinais de que a audiência da próxima semana para confirmação da nomeação do ex-senador Chuck Hagel, também republicano, para o Pentágono será um caso muito distinto.

Kerry é membro da comissão de Relações Exteriores do Senado desde 1985, quando tornou-se senador, e foi o seu presidente nos últimos quatro anos. Ele chamou a atenção ao comparecer perante a mesma comissão, em 1971, para criticar a Guerra do Vietnã.

O Irã é provavelmente o maior problema que ele enfrentará no Departamento de Estado nos próximos meses, agora que o governo pretende retomar as negociações paralisadas sobre o programa nuclear iraniano. No passado, tanto Kerry como Hagel usaram um tom cauteloso sobre o uso da força militar contra o Irã.

Kerry salientou que o governo não está elaborando uma política para a "contenção" de um Irã nuclear. "Temos cada vez menos tempo para assegurar o êxito de nossos esforços visando garantir o respeito responsável às regras", disse ele. "Vou me empenhar em proporcionar à diplomacia toda chance de êxito. Mas ninguém deve interpretar erroneamente nossa determinação no sentido de reduzir a ameaça nuclear."

Embora Kerry tenha se recusado a entrar em detalhes sobre o que envolveria um possível acordo com o Irã, ele deu a entender que defenderia permitir que o Irã enriqueça urânio em níveis baixos, desde que concorde com inspeções rigorosas. "Não há nenhuma outra agenda aqui. Se o programa deles é pacífico, eles poderão comprová-lo. É isso o que estamos buscando", disse ele.

Os EUA estarão dispostos a dialogar juntamente com outras potências importantes ou em base bilateral, disse ele. "Todo mundo está muito esperançoso de que poderemos conseguir algum progresso na frente diplomática agora", disse durante a sessão.

Kerry falou sobre a importância da liderança americana, mas também transmitiu alguns indícios de uma visão de mundo realista, que aceita que a era da primazia americana está chegando ao fim. Ele citou o livro "Diplomacia", de Henry Kissinger, que previu que o fim da Guerra Fria daria lugar a um mundo mais multipolarizado. E citou o que Kissinger escreveu: "Nunca antes uma nova ordem mundial teve que ser montada a partir de tantas percepções distintas ou em escala tão mundial."

Filho de um funcionário da diplomacia americana, Kerry defendeu o trabalho do Departamento de Estado em áreas como desenvolvimento e ajuda humanitária, dizendo: "A política externa americana não é definida apenas por drones [aeronaves sem pilotos] e mobilização de tropas".

A provável saída de Kerry do Congresso exigirá uma eleição potencialmente complicada na disputa por sua cadeira no Senado, pelo Estado de Massachusetts. Embora Obama tenha conquistado 61% dos votos do Estado, o republicano Scott Brown é um candidato potencialmente forte, tendo vencido a eleição para a outra cadeira no Senado em 2010, antes de perder para a democrata Elizabeth Warren em novembro passado. Brown ainda não disse se disputará.

O favorito para ser o candidato democrata é Ed Markey, membro da Câmara dos Deputados desde 1976 e que já foi endossado por Kerry. Os democratas em Massachusetts estão ansiosos por evitar uma eleição nos próximos meses, quando um baixo comparecimento às urnas poderia prejudicar suas chances.