Título: Grandes desafios para a nova liderança palestina
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2005, Opinião, p. A10

Eleger-se presidente da Autoridade Nacional Palestina foi uma das mais suaves tarefas que o destino colocou diante de Mahmoud Abbas. Ele terá agora de defrontar-se com desafios gigantescos, que minaram até mesmo o prestígio de um líder duro e tenaz como Iasser Arafat, que encarnou o símbolo da luta do povo palestino. A herança de Arafat é ao mesmo tempo um peso e um trunfo. E, do outro lado do vergonhoso muro com que o governo israelense tenta i solar-se de seus inimigos, Ariel Sharon debate-se com contradições igualmente agudas. Ambos estão cercados por adversários internos e externos, embora Sharon conte o apoio incondicional dos Estados Unidos. Abbas terá de contornar os efeitos negativos de uma Intifada que produziu mais vítimas que resultados práticos, embora a decisão de um governo de direita como o de Sharon de retirar-se unilateralmente da faixa de Gaza possa ser considerado um reflexo claro da rebelião palestina - o reconhecimento de que a segurança de Israel estará cada vez mais distante quanto mais forte for sua escalada da violência sobre adversários que não recuam diante da força. Ele terá também de reconstruir a Autoridade Palestina, cujo prestígio foi erodido pelos métodos autoritários de Arafat, que fizeram germinar a corrupção e o nepotismo. O novo premiê palestino, ao contar com o apoio do Fatah e um voto de confiança provisório de um leque de organizações paramilitares, pode erigir uma nova liderança - Arafat era em boa medida um entrave a seu aparecimento. Será o primeiro passo para uma ação mais difícil, que é a de criar uma organização estatal sólida, o embrião do Estado palestino independente que se vislumbra caso tudo dê certo no futuro e Israel abandone os territórios ocupados de Gaza e Cisjordânia. A campanha eleitoral de Abbas não foi ambígua, embora declarações, vistas isoladamente, dêem esta impressão. A linguagem da força e da conciliação fazem parte habitual da retórica das negociações entre palestinos e israelenses, e não há dúvidas de que Abbas cometerá um suicídio político precoce se demonstrar uma disposição prévia a concessões importantes - como é o caso do direito de retorno dos palestinos a Israel. Por outro lado, a busca de resultados concretos no caminho da paz é igualmente vital para consolidar o futuro da Autoridade Palestina. Mais do que demonstrar radicalismo ou capitulação, as palavras mais importantes do premiê se destinaram ao público interno. Todo Estado detém o monopólio da força e em algum momento os grupos radicais que hostilizam Israel terão de se subordinar e desarmar-se. Para se converter em um Estado como os demais, disse Abbas em Gaza, é necessária a "existência de apenas uma arma legítima (a dos serviços de segurança), porque ninguém tem o direito de se apropriar da lei e atuar à vontade" Sem grandes concessões de Israel, é difícil que isso não passe de um sonho de Abbas. Do lado de Israel, as mínimas concessões às reivindicações palestinas chocam-se com uma muralha de oposição. O "falcão" Sharon teve de fazer alianças ao mesmo tempo com os trabalhistas e um partido ultra-religioso para manter-se no poder e tentar executar a retirada de 7 mil ocupantes da faixa de Gaza. Sua maioria é muito frágil e pode não resistir aos abalos que uma evacuação - ao que tudo indica manu militari - provocará. E, apesar desses passos claramente positivos, resta uma enorme desconfiança sobre até onde e o que Sharon pretende ceder aos palestinos. Há suspeitas de que, ao sair de Gaza, o governo israelense pretenda perenizar-se na Cisjordânia, estabelecendo zonas tampões de colonização judaicas fortemente vigiadas e fatiando o território que deveria ser entregue a um Estado palestino. A independência desse Estado seria, então, reduzida a quase nada. Os pessimistas sempre acertaram a respeito das negociações de paz entre Israel e os palestinos. Há fortes razões para o pessimismo, entre elas a política unilateralista de Bush, que incluiu no mesmo saco de sua luta anti-terrorismo os movimentos a favor da independência palestina. Com isso, além do apoio cego às posições duras de Israel, abortou uma solução pacífica para o conflito - a única forma real de começar a deter a escalada terrorista que extravasou as fronteiras do Oriente Médio. Ainda assim, os movimentos simultâneos de Abbas e Sharon são os melhores sinais em anos de que há novamente chances para se obter a paz e uma saída para o conflito. Um apoio da ONU e das grandes potências a essas iniciativas é fundamental para fazê-las avançar e deixar para trás um legado histórico de ódio e sangue.