Título: Arbitragem e investimento em infra-estrutura
Autor: Chacel, Julian Magalhães
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2007, Legislação & Tributos, p. E4

Como método de solução de conflitos nos quais as partes recorrem a terceiros para resolver a questão em litígio, a arbitragem é uma prática milenar. O professor Jacob Dolinger, em recente livro sobre a arbitragem no comércio internacional, publicado em regime de co-autoria com a professora Carmem Tiburcio, nos fala da arbitragem entre os hebreus. Dando um salto no tempo, a resolução de controvérsias pela via da arbitragem estava prevista nas ordenações dos reinos de Portugal e Espanha.

No Brasil, a arbitragem estava contemplada na Constituição Federal de 1824. Analogamente, no Código Comercial de 1850, no Código Civil de 1916 e nos códigos de processo de 1939 e 1973. No campo geopolítico, nunca é demais relembrar que os litígios envolvendo a demarcação de nossas fronteiras foram todos resolvidos por arbitragem.

Muito provavelmente, a explicação de por que, em nosso país, durante décadas a arbitragem ficou em um estado de hibernação no domínio dos conflitos comerciais tem sua explicação no requisito da homologação do laudo arbitral pelo Poder Judiciário. Com essa exigência, diferia-se no tempo a decisão final. A Lei de Arbitragem - a Lei nº 9.307, de 1996 - trouxe, entre outros avanços para a prática da arbitragem, o de eliminar a necessidade da dupla jurisdição, removendo, assim, um sério obstáculo no que concerne à administração da chamada "justiça privada".

Subsistia, contudo, se é que ainda permanece, a questão doutrinária dos direitos patrimoniais disponíveis, conceito que veda a solução das controvérsias pela via da arbitragem quando, em uma das pontas, a desavença envolve entes estatais cujos direitos seriam, por condição inicial, indisponíveis. Isso, não obstante o artigo 173 da Constituição Federal equiparar as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, que explorem atividades econômicas na forma de produção e distribuição de bens e prestação de serviços, ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos civis, comerciais e tributários.

Em uma primeira leitura, esta polêmica parece estar resolvida, ao menos parcialmente, pela Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs) - a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 -, quando, no capítulo das garantias, dispõe em seu artigo 2º, inciso III, sobre "o emprego de mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato". Com este dispositivo, a lei federal convalida o que já estava previsto nas leis dos Estados de Minas Gerais e São Paulo sobre as PPPs.

A idéia das parcerias entre o setor público e o privado, que para nós tem sabor de novidade, surge por volta de 1980 na Inglaterra, com o "private finance initiatives", que se consolida, em 1993, com a análise da possibilidade de interação entre os dois setores para desenvolvimento de projetos na área da saúde.

-------------------------------------------------------------------------------- Com a possibilidade de uso da arbitragem prevista pela Lei das PPPs, os investidores privados se sentiriam confortáveis --------------------------------------------------------------------------------

Conceitualmente, uma parceria público privada é um empreendimento em regime de cooperação entre a área pública e o domínio privado para atender a uma necessidade coletiva, com equânime repartição dos riscos, recursos e benefícios. Na lei brasileira o conceito fica restrito à concessão de obras públicas nas quais os investidores privados cobram tarifas dos usuários e recebem compensações pecuniárias adicionais por parte do Estado. Trata-se assim de, sem privatizar, incluir a participação de capitais privados na renovação e expansão da infra-estrutura econômica e social, com o propósito de melhorar a prestação dos serviços oferecidos por este tipo de investimento.

Nunca é demais lembrar que o conceito de infra-estrutura econômica de um país reúne formas distintas de bens de capital que apóiam as atividades ditas diretamente produtivas gerando externalidades positivas para a produção de bens e prestação de serviços. Daí vindo aumento de produtividade social e impulso de crescimento econômico. Em nosso país, da ampla gama de bens de capital que constituem a infra-estrutura econômica, a preocupação maior, com vistas ao futuro imediato, reside nas usinas elétricas e na malha rodoviária.

A inclusão de capitais privados que fluírem das PPPs tem, com motivo primeiro, o reconhecimento, por parte do Estado, hesitante na contenção de gastos correntes, da sua incapacidade para financiar grandes obras públicas em ritmo e volume necessários para recuperar e expandir a infra-estrutura, principal causa do "custo Brasil", por seu desgaste e insuficiência.

Mais eficaz do que recorrer, em uma decisão polêmica, ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para financiar investimentos de grande porte e longo tempo de maturação, seria fazer com que a Lei das PPPs não ficasse restrita ao papel. As regras são conhecidas e a questão subsistente é de natureza gerencial.

Com a possibilidade de dirimir eventuais conflitos que venham a surgir no decorrer da execução das obras e dos pagamentos futuros através da arbitragem, os investidores privados, para usar uma expressão cara aos advogados, se sentiriam confortáveis. Afinal, da sentença arbitral, que gera um título executivo, não cabe recurso, ao passo que no Poder Judiciário a decisão pode ser demorada, prolongando a incerteza quanto ao desfecho da controvérsia. O conforto é particularmente sentido no caso dos capitais estrangeiros, onde o investidor hesita em colocar-se sob um marco jurídico que não lhe é familiar, quando, em contraste, o instituto da arbitragem, que no plano dos negócios internacionais nasce com o Protocolo de Genebra de 1923, lhe é amplamente conhecido.

Julian Magalhães Chacel é diretor-executivo da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getulio Vargas (FGV)

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