Título: A rainha das taxas de juros
Autor: João Saboia
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2005, Opinião, p. A10

A discussão sobre taxa de juros no Brasil já virou tema do dia-a-dia. O fato de o país possuir uma das maiores taxas de juros do mundo e a recente elevação da taxa Selic, a partir de setembro de 2004, deu margem a inúmeras discussões sobre a necessidade de se baixar ou não a taxa de juros para permitir um crescimento sustentado no país. Tendo em vista o interesse do tema, propus a meus alunos de Macroeconomia I, do Instituto de Economia da UFRJ, que levantassem as taxas de juros anuais no período entre novembro de 2002 e outubro de 2004 para verificar o nível de associação que as diversas taxas possuem com a taxa básica de juros da economia, ou seja, a Selic. O período analisado é favorável para esse tipo de comparação, na medida em que as taxas de juros apresentaram grande flutuação ao longo dos dois anos. Foram escolhidas, além da Selic, as taxas médias utilizadas pelos bancos nos empréstimos para pessoa física e jurídica, além da taxa de crédito pessoal e do cheque especial. Os dados foram levantados no site do Banco Central (www.bcb.gov.br). O gráfico acima mostra a evolução das cinco taxas no período estudado. Conforme pode ser verificado, as cinco taxas têm comportamento semelhante, crescendo até os primeiros meses de 2003, caindo até meados de 2004 e voltando a crescer no final do período. Em outras palavras, parece haver forte associação entre o comportamento das várias taxas de juros. A taxa Selic é a menor, seguindo-se as taxas médias para pessoas jurídicas e físicas, a taxa de crédito pessoal e, finalmente, a taxa do cheque especial. Note-se que os spreads das diversas taxas em relação à Selic são enormes. A taxa média dos empréstimos à pessoa jurídica é cerca do dobro da Selic. No cheque especial, chega a ser oito vezes maior. Para verificar o nível de associação existente entre a Selic, utilizada pelo BC para sinalizar o movimento desejado para os juros no país, e as demais taxas de juros, foi feito o cruzamento dos dados, colocando-se a taxa Selic no eixo horizontal, e as quatro outras taxas no eixo vertical. O gráfico resultante (ver abaixo) confirma a estreita associação existente entre as diversas taxas de juros e a Selic. Tal tipo de associação pode ser medida pelo coeficiente de correlação. No caso de associação positiva, o coeficiente de correlação varia entre zero e um. Quanto mais próximo da unidade, maior é a associação existente entre as taxas de juros.

Os resultados são impressionantes. Os valores variam entre 0,91, quando a Selic é comparada com a taxa média de pessoa jurídica, e 0,99, quando comparada com a taxa do cheque especial. O coeficiente de correlação atinge 0,95 para a taxa média de pessoa física, e 0,97 para a taxa do crédito pessoal. Para cada ponto percentual a mais na taxa Selic há um aumento médio de 0,8 ponto percentual na taxa de juros cobrada das pessoas jurídicas, e 2,1 pontos percentuais na taxa cobrada das pessoas físicas. O aumento atinge 2,3 pontos percentuais no crédito pessoal, e 3,5 pontos, no cheque especial. Verifica-se, portanto, que o controle sobre a taxa Selic representa um domínio quase que total sobre as demais taxas de juros da economia. Assim, o Banco Central possui um poderoso instrumento de controle das várias taxas de juros, a partir da definição do nível da taxa Selic. Fica, entretanto, a pergunta: não haveria uma melhor forma de se controlar as taxas de juros no país, sem que houvesse necessidade de se elevar a Selic ainda mais? Conforme tem sido amplamente divulgado, cada ponto percentual a mais na Selic representa cerca de R$ 4 bilhões de juros pagos por ano pelo país aos detentores dos títulos da dívida pública. Propostas alternativas não faltam. Entre elas, a utilização de uma política ativa para o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e para os depósitos compulsórios dos bancos. Nos dois casos, as taxas de juros continuariam sendo controladas indiretamente, porém sem elevação do custo de rolagem da dívida pública, como no caso de aumento da Selic. No primeiro caso, o IOF poderia ser aumentado quando se desejasse elevar os juros e vice-versa. No segundo caso, um aumento/diminuição nos depósitos compulsórios teria como conseqüência a redução/elevação dos recursos disponíveis para empréstimos, aumentando/diminuindo a taxa de juros. A elevação da Selic só se justificaria se o país estivesse necessitando muito captar divisas no exterior ou se desejasse valorizar o câmbio. Como a conta de transações correntes está superavitária, a entrada de capitais está equilibrada e a moeda nacional relativamente valorizada, a elevação da Selic, além de seu enorme custo para o país, é uma medida desnecessária e irracional.