Título: Mantega busca novas fontes para cumprir orçamento do BNDES
Autor: Vera Saavedra Durão e Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2005, Opinião, p. A11

O novo presidente do BNDES, Guido Mantega, já está trabalhando na busca de novas fontes de recursos para fechar o orçamento de R$ 60,8 bilhões que a instituição deverá desembolsar este ano. Cumprir o orçamento significa superar em 50% os R$ 40 bilhões desembolsados em 2004. Segundo Mantega, o banco vai ter que obter dinheiro de várias fontes para fechar esta conta, pois há uma forte demanda sinalizada pelos enquadramentos de novos projetos, que já somam cerca de R$ 60 bilhões. A fonte tradicional de recursos do BNDES, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), está sendo considerada por Mantega "insuficiente" para suprir as necessidades de caixa da instituição em 2005. Por conta disso, pretende pedir mais recursos. "Existe uma parte do FAT que é opcional e está à nossa disposição. Pretendemos este ano pedir mais. Ano passado não houve pedidos extras". Outra possibilidade de funding são as captações externas, que na sua opinião vão depender da demanda, pois "não se pode captar lá fora e depois emprestar em TJLP". Uma novidade é sua disposição em captar recursos no mercado doméstico com o lançamento de debêntures corrigidas pelo IGP, via BNDESpar. Ele pretende seguir a política da gestão Lessa de o banco entrar como acionista em projetos de porte, principalmente de infra-estrutura. Não descarta a participação da instituição nos novos projetos siderúrgicos, como os do Maranhão. Mas realça que um dos focos dessa política será o setor ferroviário. O BNDES está entrando firme em ferrovias. Além de parceiro da Brasil Ferrovias, pretende viabilizar o projeto da Transnordestina, que Mantega destacou como prioridade do governo Lula. A ferrovia Norte-Sul também está na mira do banco. Mantega acenou com uma licitação para ver se a obra de reestruturação Norte-Sul caberá à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) ou aos chineses. "Em breve haverá novidades", disse. A seguir, a entrevista concedida ao Valor. Valor: Seu antecessor, Carlos Lessa, no final da sua gestão, criticou o Banco Central por causa da intenção de acabar com o crédito direcionado que, segundo Lessa, sinalizava uma ameaça à existência do próprio BNDES. Isso pelo temor de que os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) fossem transferidos para os bancos privados. O senhor esteve recentemente com o presidente do BC, Henrique Meirelles. Esse encontro serviu para mudar essa perspectiva? Guido Mantega: Nunca houve esse perigo. A prova disso é que o presidente Henrique Meirelles esteve no BNDES na semana passada e disse aqui, de viva voz, que é totalmente favorável ao crédito direcionado. Ele apóia a ação do BNDES, que é o principal agente de crédito direcionado do país, e disse que é contrário à distribuição do FAT para os bancos privados, que é exatamente a minha posição. O FAT é do trabalhador e o BNDES o usa para investimentos, criando emprego e renda e por isso não pode ser dado aos bancos privados. E hoje em dia, o volume do FAT já chega a ser insuficiente para as nossas necessidades.... Valor: Como assim? Mantega: Estamos hoje diante de um ciclo de crescimento no país que exige do BNDES uma ação mais determinada, com um volume maior de recursos à disposição e o FAT já passa a se tornar insuficiente. Hoje, os fluxos que temos com o FAT entre aquilo que temos que pagar, o que temos de devolver e o que a gente recebe é muito pequeno. Então, não tem a menor possibilidade de transferir o FAT para o setor privado. Posso dizer que esta é uma posição de governo. Valor: Isto significa que a TJLP vai ser mantida? O presidente do BC também criticou o crédito barato, dizendo que em função desse crédito a Selic tinha que ser mais alta. Mantega: Como? O vigor da TJLP vai muito bem. A TJLP está estacionada em 9,75%. Ela se manteve no mesmo patamar no período em que houve pequena reação da inflação. Então, se em termos nominais ela se manteve, em termos reais ela foi reduzida, o que significa um favorecimento ao investimento. Para fazer o cálculo do investimento o empresário não olha tanto a Selic, olha a TJLP para ver qual é o custo que ele vai ter. Então, a TJLP tem que ser mais favorável. Isto eu disse aqui na presença do presidente Meirelles. O desejo do banco, é baixar a TJLP sempre que possível. Valor: Em determinado momento o Fundo Monetário Internacional fez algumas pressões em relação à TJLP, considerando-a um crédito subsidiado incompatível com as leis internacionais de livre comércio. Como o sr. vê este tipo de crítica? Mantega: Não vi uma posição oficial do FMI nesse sentido. Fiquei muito atento quando isso aconteceu. Na ocasião, afirmei que a TJLP está acima da inflação. Portanto, não é subsídio. É apenas uma linha de crédito mais barata para investimentos, como existe nos Estados Unidos, na União Européia. Valor: O argumento dos defensores da extinção dos créditos direcionados é o de que os trabalhadores seriam mais bem remunerados se os recursos do FAT fossem emprestados aos bancos privados... Mantega: Isso é verdade, mas seria um benefício de curto prazo com prejuízo no longo prazo. Esse dinheiro entraria no circuito privado que tem spreads elevadíssimos. Eles poderiam até, em vez de pagar 9,75%, pagar 11%, 12%, 13%... Depois emprestariam o dinheiro a 30%, 40%, 50%... E quem seria o mais prejudicado? O trabalhador. Isso significaria menos emprego, menos investimento, menos crescimento do PIB. Seria uma vitória de Pirro. Eu vou conversar na primeira ocasião que tiver, com Luiz Marinho (presidente da CUT). Nessa semana vou me encontrar com ele e colocar essa questão. Valor: Quando o senhor fala que o FAT já está ficando insuficiente para cobrir as necessidades do BNDES, como resolver o problema? O banco vai retomar as captações externas? Mantega: Estamos fechando o ano com R$ 40 bilhões de desembolsos. E, de fato, o objetivo é atingir R$ 60 bilhões em 2005. É um aumento de 50%, não é um número pequeno. O banco vai ter que obter dinheiro de várias fontes. Uma delas é o FAT. Existe uma parte do FAT que é opcional e que nós podemos pedir mais. Captação externa depende da demanda. Você não pode captar e depois emprestar a TJLP. Tem que emprestar a uma cesta de moedas... Estamos fazendo um ajuste porque há segmentos que pedem recursos para o banco que têm também receitas em moedas externas, como os exportadores. Por enquanto, não há intenção de grandes captações, por falta de demanda. Nós temos a possibilidade de captar aqui também, colocando debêntures remuneradas pelo IGP no mercado doméstico ou coisas do gênero. O banco terá que ser criativo para atingir os R$ 60 bilhões. Valor: No caso das captações externas, foi baixada medida em outubro de 2004 abolindo temporariamente a correção cambial dos custos dos financiamentos. Isso continua suspenso? Mantega: Não. Voltou a possibilidade, mas não é compulsório. Temos que julgar em que situações é possível conceder um financiamento usando cesta de moeda. Valor: Nesse orçamento para 2005, há grandes projetos sendo levados em conta?

Sempre é possível agilizar procedimentos. Nós eliminamos etapas e com isso já ganhamos oito semanas"

Mantega: Acho que a razão básica pela qual os grandes projetos não estavam entrando era o momento da economia brasileira. Na medida em que se configura um horizonte de crescimento eles arriscam implementar projetos de médio e longo prazo. Então, o horizonte do empresário brasileiro mudou. É o que sentimos aqui no banco, no último trimestre. Entraram grandes projetos. Na primeira reunião de diretoria de 2005 aprovamos enquadramento de R$ 4,3 bilhões, correspondendo a um total de investimentos de R$ 7,3 bilhões em uma única semana. Só estou dando um numerinho para vocês sentirem... E tem projetos grandes no meio. Valor: De quais setores? Mantega: Eu diria que esse aquecimento da economia já é generalizado. Você tem bens de consumo, bens de capitais, bens de consumo duráveis... Mas, qual é a demanda aqui no banco? Estamos sentindo mais o setor siderúrgico, papel e celulose e o petroquímico. Mas há muitos outros. Há telecomunicações, que ficou parado em 2003, mas teve R$ 1,5 bilhão liberado em 2004. Valor: A gestão anterior acenava com a possibilidade, principalmente na infra-estrutura, de o banco entrar como acionista em alguns projetos de grande porte. O senhor mantém essa idéia? Mantega: Sim. O banco pretende entrar participando de alguns setores , entre os quais o ferroviário. Temos aí grandes projetos do setor ferroviário. Depende da equação financeira montada. Nós não temos uma única arquitetura. Pode ser um simples financiamento, pode ser participação acionária... O banco está aberto, está até desenvolvendo outros mecanismos como o project finance, muito restrito aqui. Vamos estimular o project finance. Valor: Voltar com project finance significa que o banco vai voltar a aceitar garantias, como por exemplo, apenas a receita do projeto? Mantega: No caso do project finance, de fato, existe o problema da garantia que temos que equacionar. Estamos estudando todas as questões. A questão das garantias não é só para project finance e não é também só para empresas estrangeiras. É uma questão geral. Devemos manter a solidez do banco na questão das garantias. O governo anterior se descuidou delas e o banco acumulou passivos. Já a gestão do Lessa foi muito eficiente. Valor: O recente empréstimo de R$ 330 milhões para a CPFL foi na modalidade indireta, com o Unibanco liderando um consórcio de bancos. Antes, estavam vedados no banco empréstimos de grande porte para investimentos via agentes. Isto mudou? Mantega: Não. Cada caso é um caso. Não há uma norma de não fazer ou de fazer. Valor: A infra-estrutura será a prioridade do banco este ano? Mantega: A infra-estrutura é uma prioridade do governo e do banco. Valor: Como será a participação do banco nas Parcerias Público-Privadas (PPPs)? Mantega: Temos que fazer esse trabalho. Já me reuni com um grupo da assessoria da Presidência que vai contatar o grupo que existe no Ministério do Planejamento, que nós criamos lá, que já avançou bastante. Vamos fazer uma sinergia com eles e nos prepararmos para quando fizerem as licitações já termos aqui os mecanismos de financiamento preparados. Valor: O senhor já encontrou maneiras de agilizar os procedimentos de liberação de recursos do banco? Mantega: Sempre é possível agilizar os procedimentos. Vou pegar um exemplo de uma coisa que já foi feita. Havia um procedimento que era repetido em várias etapas e em vários departamentos, que era ter uma avaliação da empresa. Você fazia no início, quando enquadrava o projeto. Se era um projeto da indústria, ia para a área de indústria que fazia de novo o perfil da avaliação da empresa. Isso levava tempo. Nós eliminamos essas etapas e tudo será feito em um só departamento que já transferirá o resultado para os outros. Outro exemplo: você fazia primeiro o enquadramento pela prioridade e só depois fazia uma avaliação do rating da empresa. Agora, fazemos simultaneamente as duas avaliações. Só aí já ganhamos oito semanas. Valor: Como o senhor está avaliando o cenário de retomada do crescimento? Economistas temem que o Brasil não esteja blindado contra crises internacionais. Mantega: Os temores fazem parte dos cenários dos economistas. Mas tenho muita tranqüilidade em relação ao cenário internacional porque confio no "taco" do Greenspan (Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos). A tendência é de que haja ajuste anunciado da taxa de juro americana. E a reação será pequena. No máximo, poderá reduzir um pouco o crescimento mundial. Não vai nos afetar. Se afetar, será pouco. Valor: O senhor acha possível a taxa de investimento chegar a 23% do PIB?

Não tem a menor possibilidade de transferir o FAT para o setor privado. Posso dizer que esta é uma posição de governo "

Mantega: Não sei se 23%. Em 2004 vamos fechar com 20%. Se chegar em 22% estou muito satisfeito. O BNDES está se preparando para esse desafio que é esse novo ciclo de desenvolvimento. Temos que pensar no que muda. A nova fase de crescimento exige nova atuação do BNDES, nova postura, novos desafios. Valor: Quais são os novos instrumentos que a sua gestão pretende implementar para atender às necessidades dessa retomada? Mantega: Vamos ser mais seletivos, vamos promover grandes projetos, vamos viabilizar os grandes projetos sem descuidar dos pequenos e médios. Cerca de 30% dos recursos do banco irão para pequenas e médias empresas. Um ponto importante é que vamos cuidar da qualidade do investimento. Não cunhamos ainda o conceito, mas vamos perseguir investimentos inteligentes. Conseguir fazer o PIB crescer com volume menor de formação bruta de capital. Na base da racionalidade econômica. Introduzindo modificações. Assim por exemplo, você informatiza uma estrada e ela consegue um volume de tráfego maior, ou um porto, e ele consegue ser mais eficiente. Valor: O senhor falou muito em ferrovias. O BNDES está entrando firme como parceiro nas ferrovias? Mantega: Nós já somos parceiros da Brasil Ferrovias. Vamos investir nela. A Transnordestina também é projeto prioritário para o governo. O presidente Lula criou um grupo executivo para poder fazer caminhar todas as questões ferroviárias. Em breve haverá novidades. Valor: A Transnordestina era um projeto desacreditado... Mantega: Mas ela é um projeto importante para o governo e vai ser viabilizada. Valor: E a ferrovia Norte-Sul ? Vai sair com os chineses ou com a Vale? Mantega: A Norte-Sul está viabilizada. Vai-se fazer uma licitação e ver qual dos dois vai ganhar. Como a Vale já está lá, ela tem algumas vantagens relativas. Valor: E a capitalização do banco para ampliar empréstimos, sairá? Mantega: No ano passado foi feita uma capitalização, em função do lucro de 2003 e o capital do banco subiu de R$ 14 bilhões para cerca de R$ 15 bilhões. E continua havendo necessidade de aumentar o capital do banco para haver mais liberdade de operações. Valor: Tem alguns clientes, tipo Petrobras e Embraer, para os quais o banco está no limite da capacidade de emprestar. Mantega: É verdade. São todas questões cruciais para as quais nós estamos preparando uma linha de ação. Valor: O senhor já avisou ao secretário Joaquim Levy sobre essas necessidades de mudança? Mantega: Mas essa questão não depende necessariamente do Levy, depende do presidente da República e de várias pessoas. Valor: Mas o Levy é poderoso. Mantega: O presidente é mais.