Título: Comércio crescerá menos, petróleo deve cair e dólar traz risco, diz OMC
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2007, Internacional, p. A13

A expansão do comércio internacional continuará forte neste ano, mas vai declinar para 6%, contra os 8% registrados em 2006. A estimativa foi divulgada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), baseada num crescimento de 3% da economia mundial, abaixo dos 3,7% do ano passado. Para a OMC, as incertezas aumentam com o nervosismo do mercado, a bolha imobiliária americana e importantes desequilíbrios no comércio de mercadorias e serviços.

Em 2007, o comércio internacional cresceu o dobro da produção, mantendo a tendência de maior integração e internacionalização. A recuperação da Europa pesou nesse resultado. A China continuou a ser um grande motor, com o seu crescimento comercial excepcional.

A alta de 8% do comércio mundial foi em termos reais, sem levar em conta as variações de preços. O valor em dólares das exportações mundiais de mercadorias aumentou 15%, alcançando US$ 11,76 trilhões em 2006. As exportações de serviços comerciais cresceram 11%, chegando a US$ 2,71 bilhões.

O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, insistiu em que as incertezas na economia global deveriam impulsionar os países a concluírem a Rodada Doha de liberalização comercial. Por sua vez, o diretor de estudos econômicos da entidade, Patrick Low, disse que a OMC não fez suas próprias estimativas sobre quanto Doha poderia beneficiar a economia global.

Em entrevista ao Valor, o economista Michael Finger, principal autor do relatório, aponta risco de queda maior do dólar, além de prever redução de 10% a 20% no preço do petróleo e que a China se tornará a primeira nação em comércio exterior do planeta no ano que vem. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Por que o comércio mundial verá o seu ritmo de expansão diminuir em 2007?

Michael Finger: Prevemos redução no crescimento nos Estados Unidos, na Europa, na China e em certa medida também em outros nos países em desenvolvimento. A demanda por produtos importados vai cair. Além disso, há os riscos nos mercados financeiros e no imobiliário, além do déficit do balanço de pagamentos dos EUA. Se os mercados financeiros alterarem sua apreciação sobre as perspectivas de curto prazo da economia mundial, haverá repercussões sobre o dólar e as bolsas. O dólar pode ter queda mais acentuada em relação ao euro, mas não em relação a moedas asiáticas, que em grande parte estão vinculadas ao dólar.

Valor: Os Estados Unidos vão importar menos este ano?

Finger: Se o dólar cai mais, as importações serão mais caras e a demanda dos americanos por produtos estrangeiros certamente diminuirá. A flutuação da demanda na importação nos EUA é muito mais pronunciada que o crescimento econômico. Neste momento, não se fala de recessão, mas, se o país entrar em recessão, as importações americanas podem cair até 10%, no máximo.

Valor: A China exporta muito. As importações chinesas estão acompanhando o mesmo ritmo?

Finger: No primeiro trimestre, as exportações chinesas continuaram a aumentar mais rapidamente do que as importações. A China vai provavelmente superar os EUA no comércio de mercadorias este ano. Se a taxa de crescimento se mantiver, vai superar a Alemanha em 2008. Aí a pressão vai aumentar para Pequim abrir mais seu mercado e equilibrar a balança com o resto do mundo. O país tem uma balança comercial equilibrada com a Ásia, déficit com os exportadores de petróleo e saldo com EUA e Europa.

Valor: Quais os produtos mais dinâmicos no comércio global?

Finger: São de novo os eletrônicos. Têm demanda, avanço técnico, inovação e houve baixa de preço. Mesmo com a baixa de preço, o valor aumenta mais rapidamente que o de outros manufaturados.

Valor: Os produtos baratos chineses continuam a ter efeito no controle da inflação nos outros países?

Finger: Os produtos chineses mais dinâmicos são eletrônicos - computadores, iPods, televisores. A tecnologia já baixou esses preços. E, com a economia de escala, eles tendem a cair ainda mais. Para outros produtos dos quais a China é exportador importante, como têxteis e confecções, os preços ficaram estáveis ou subiram muito pouco. Mas a moeda chinesa está se apreciando levemente, e os preços chineses talvez também comecem a subir no futuro. No momento, sim, os produtos chineses são um fator que contribui para limitar a inflação em muitos países.

Valor: A China vem abocanhando cada vez mais o comércio de têxteis, como se previa?

Finger: Suas exportações aumentam fortemente, apesar das restrições introduzidas nos EUA e na Europa em 2005. Havia muito temor de que países menores sofreriam com a concorrência chinesa. Mas Vietnã e Bangladesh aumentaram mais rapidamente suas exportações para os EUA do que os chineses. Já os latinos perderam mercado nos EUA.

Valor: Quais as previsões para os preços das exportações em 2007?

Finger: Estima-se estagnação nas cotações dos produtos de base. Para o petróleo, a hipótese de trabalho é que o preço baixe entre 10 a 20%, mas depende também da evolução política no Oriente Médio. As políticas de reduzir a dependência em relação ao petróleo parecem firmes. Os países industrializados estão prontos a subvencionar e garantir um certo nível de preço [para combustíveis alternativos]. Significa maior demande de terras agrícolas para produzir substitutos do petróleo. Haverá menor disponibilidade de terra para os outros produtos, daí pode-se esperar que a substituição do petróleo sustente [o preço] dos outros produtos agrícolas.

Valor: O que a OMC registra como comércio internacional de biocombustíveis?

Finger: É muito limitado. No curto prazo, não creio em expansão. Mas países com grandes reservas agrícolas não utilizadas, podem aumentar as exportações no médio prazo, como o Brasil.

Valor: Qual o impacto que as mudanças climáticas terão sobre o comércio internacional?

Finger: Um circulo de pessoas pensa, por razões ambientais, em limitar importações de produtos muito distantes, taxar os transportes e utilizar mais os produtos das proximidades. Só que a parte do preço da energia no custo total de transporte é pequena, uns 20%. Há enorme progresso técnico nos contêineres. Também já se constatou no Reino Unido que é mais ecológico importar flores do distante Quênia do que da vizinha Holanda. Na Holanda, as flores são cultivadas com muita energia, enquanto no Quênia se beneficiam do sol. Mesmo com o transporte por avião, certos estudos mostram que, no conjunto, ainda se consome menos energia para produzir e distribuir flores no Quênia do na Holanda.

Valor: Com a expansão do comércio diminuindo, o estímulo para concluir a Rodada Doha cai mais?

Finger: Veja, o impacto da negociação diretamente no comércio ocorre no longo prazo, entre cinco a dez anos. O emprego aumentou com o crescimento econômico nos últimos anos. Por essa razão, os ajustamentos necessários à liberalização serão mais facilmente suportáveis agora e valeria utilizar a situação para se fazer progressos na negociação. Numa conjuntura econômica em queda, talvez nem todos estejam prontos a compromissos de liberalização, pelo menos para alguns setores.