Título: Sob caos institucional, Equador decide Constituinte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2007, Internacional, p. A13

O presidente do Equador, Rafael Correa, joga a sua grande cartada política neste final de semana, quando os eleitores do país vão às urnas dizer se querem ou não que uma assembléia reescreva a Constituição do país. Correa aposta alto no projeto de revisão constitucional, sua principal plataforma de campanha: chegou a dizer que não continuaria no cargo caso a proposta não fosse referendada.

Questionado nesta semana se ele renunciaria caso os eleitores rejeitassem o plano de profunda reforma política, Correa vacilou momentaneamente antes de fazer a ameaça. "Eu teria de pensar sobre isso seriamente", ele disse e acrescentou - aparentemente tendo pensado sobre o assunto - que "eu não ficaria no cargo".

Essa abordagem de "tudo ou nada" quer forçar os eleitores a apoiar seus planos de eleger uma assembléia que teria seis meses para reescrever a Constituição. Muitos de seus críticos temem que ele use a assembléia para concentrar poder em suas próprias mãos, seguindo o exemplo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

"Sua obsessão cega em relação a essa assembléia e sua disposição de fazer qualquer coisa para colocá-la em prática me fazem imaginar se ele realmente quer mudar o Estado de vez ou se quer apenas se manter no cargo para sempre", afirma Sebastián Mantilla Baca, comentarista político em Quito.

A comparação com Chávez entretanto pode parecer exagerada. O presidente venezuelano capitaneou uma assembléia de revisão constitucional na qual tinha uma maioria avassaladora; Correa não tem nenhum deputado no atual Congresso, sendo forçado a negociar apoios inconstantes e a conviver com uma oposição forte.

Além disso, uma das razões da popularidade e do apoio que Chávez tem na Venezuela é o uso pesado das receitas de petróleo em programas sociais. Apesar de Correa pretender aumentar seus próprios gastos sociais, ele não tem caixa como o da Venezuela para se equiparar a Chávez.

O presidente equatoriano sabe que é muito improvável que alguém pague para ver o seu blefe. Na mais recente pesquisa do instituto Cedatos, o mais prestigiado do país, 63% disseram que pretendem votar sim e apenas 20% disseram que votariam não. Só 17% disseram que anulariam o voto.

O voto pelo sim deve lançar o Equador em seu terceiro ciclo eleitoral desde novembro, ao convocar uma eleição para a Constituinte ainda neste ano. Para Correa, a situação é crítica. Seu partido não apresentou candidatos ao Congresso no ano passado. Agora, deve lançar, mas os partidos tradicionais ainda têm domínio sobre regiões importantes. Os eleitores que votaram em Correa podem não necessariamente votar nos candidatos apoiados por ele - essa é outra grande diferença em relação à Venezuela, já que a ascensão de Chávez se deu num momento em que os partidos tradicionais venezuelanos implodiam.

Talvez a comparação mais fidedigna entre situações seja a com outro aliado de Correa, o presidente boliviano, Evo Morales. A Constituinte na Bolívia anda a passos trôpegos, sendo constantemente bloqueada por iniciativas da oposição, que é minoria, mas tem força política.

Correa espera fazer ao menos a maioria simples numa assembléia de 130 cadeiras. Sua estratégia já foi estabelecida: ele vai se colocar como o defensor do povo contra as elites políticas corruptas.

Suas ações no governo já o habilitam a assumir essa imagem. Desde que tomou posse, em janeiro, suas propostas de renegociar os contratos de petróleo e de renegociar a dívida externa foram colocadas em banho-maria, enquanto ele enfrenta adversários políticos no Congresso - 57 dos 100 congressitas. O caos institucional pode até enfraquecer o sistema democrático, mas aumentou a reputação de Correa como um destemido lutador contra os interesses escusos.