Título: O salário mínimo é o culpado?
Autor: Saboia, João
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2007, Opinião, p. A14

"Quanto mais aumentar o salário mínimo (SM), o futuro do Brasil ficará mais sombrio". Trata-se de uma afirmação ousada e provocativa que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso tenderia a rejeitar sem pestanejar. Pois foi exatamente o que afirmou o economista Fabio Giambiagi em seu artigo no Valor de 09/04/2007.

Seu principal argumento é que o aumento do SM prejudica as contas públicas devido ao crescimento do volume das despesas com benefícios previdenciários e assistenciais. Segundo ele, mantidas as novas regras de reajuste do SM, o custo dos benefícios do INSS atingiriam entre 8,2% e 8,9% do PIB em 2023. Informa também que os pagamentos dos benefícios previdenciários e assistenciais, de valor igual ou inferior ao SM, passaram de R$ 27 bilhões para R$ 78 bilhões nos últimos dez anos. Além disso, critica o fato de que os benefícios previdenciários e assistenciais iguais a um SM são recebidos por pessoas que estão na parte central da pirâmide da distribuição de renda. Portanto, os beneficiados não seriam os mais pobres.

Mais adiante, faz uma das afirmações mais contundentes de seu artigo contra os efeitos do aumento do SM. Segundo suas palavras, o aumento "das despesas atreladas ao SM está por trás da nossa taxa de crescimento inferior à do resto do mundo, do achatamento do investimento público, do abandono dos nossos jovens, do nível da nossa educação e da falta de maiores recursos para o combate à extrema pobreza".

Curiosamente, a palavra "juros" não aparece nenhuma vez em seu artigo. Bastaria informar ao leitor que os juros da dívida pública atingem atualmente os mesmos 8% do PIB estimados por ele para o custo dos benefícios associados ao SM em 2023. Com isso, o leitor poderia comparar os dados e concluir se é mais importante para o país pagar juros elevados às pessoas no topo da distribuição de renda ou um SM melhor para aquelas nas faixas médias/baixas.

Embora reconhecendo a justa preocupação do autor com a melhoria das contas públicas, não me parece razoável concentrar sua crítica à política de recuperação e valorização do SM. Nem acusar o SM de ser responsável por tantos males ao país.

-------------------------------------------------------------------------------- A fixação do valor do SM deve ser entendida como parte da política pública voltada para o mercado de trabalho --------------------------------------------------------------------------------

Tenho defendido que a fixação do valor do SM deve ser entendida como parte da política pública voltada para o mercado de trabalho. Portanto, as aposentadorias recebidas por empregados que contribuíram para o INSS devem utilizar o SM como piso. Afinal de contas, as contribuições dos trabalhadores utilizam o SM como referência. Apenas no caso de benefícios não contributivos me parece aceitável a desvinculação de seu valor ao do SM. Sobre essa questão, ver meu artigo "Metade da População sem Futuro" (www.ie.ufrj.br/aparte).

É um grande erro comparar o salário mínimo com o Programa Bolsa Família para mostrar que um teria maior ou menor poder do que o outro na melhoria da distribuição de renda e redução da pobreza. O primeiro faz parte da política de mercado de trabalho e previdenciária, enquanto o segundo é pura política assistencial. Se, por um lado, os efeitos do salário mínimo são mais importantes na melhoria da distribuição de renda, o Bolsa Família é dirigido basicamente para o combate à pobreza.

Em trabalho recente, que está sendo desenvolvido com estudantes da UFRJ, calculamos que 17% da melhoria da distribuição de renda nos últimos dez anos se deve ao efeito do SM sobre as pensões e aposentadorias. Parcela importante da melhoria pode também ser atribuída aos efeitos do SM sobre os rendimentos gerados no mercado de trabalho. O resultado final depende da simulação utilizada variando entre 29% e 66% (ver tabela). Portanto, o SM teve importante papel na melhoria da distribuição de renda na última década.

É claro que houve aumento do peso dos benefícios previdenciários e assistenciais associados ao crescimento do SM nas contas públicas - e isso é muito positivo, se levarmos em consideração a melhoria acarretada na distribuição de renda. Conforme informado no início do artigo, a previsão de tais gastos em 2007 é da ordem de R$ 78 bilhões. Mais uma vez, seria interessante comparar cifras e lembrar que o pagamento de juros da dívida pública representa um rombo anual de cerca de R$ 150 bilhões, ou seja, quase o dobro daquele valor.

Em resumo, muito pode ser feito pelo governo para melhorar as contas públicas do país. Combate à corrupção e desvio de recursos, redução dos desperdícios, maior controle sobre os gastos e queda das taxas de juros são alguns exemplos. Há muitas áreas onde o governo pode atuar para melhorar a qualidade dos gastos públicos. No caso do salário mínimo, entretanto, sua atuação deve ser a manutenção da nova política de correção pela inflação e aumento segundo o crescimento da economia, avaliando seus resultados ao final de 2010. Caso a economia cresça 5% ao ano, conforme prometido pelo governo, os novos aumentos do SM trarão inegáveis avanços na redução das desigualdades e melhoria da distribuição de renda.

João Saboia é diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email saboia@ie.ufrj.br