Título: Cooperativas e Pronaf, a parceria que deu certo
Autor: Totti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2007, Especial, p. A16

Crédito era o problema. Para enfrentá-lo, em 1996, o governo criou o Pronaf. No mesmo ano, na cidade paranaense de Dois Vizinhos (30 mil habitantes), menos de dez agricultores familiares chegaram praticamente à mesma decisão: criaram a Cresol, cooperativa de crédito solidário. Pronaf e Cresol nasceram juntos, cercados de ceticismo e desconfiança mútua. Em Brasília se acreditava muito pouco na capacidade de pequenos agricultores do Paraná gerirem uma cooperativa de crédito, tarefa de banqueiros. No Paraná, os agricultores, alguns deles com primário incompleto, não confiavam em soluções vindas de Brasília. Ao fim de 11 anos, comprova-se que preconceitos conduzem a erros de avaliação. Pronaf e Cresol acabaram por interligar seus destinos. E são um sucesso.

O Pronaf , é sabido, já ajuda dois milhões de famílias a continuar no campo, resistindo e produzindo. E a Cresol, no início modesta repassadora de financiamentos do Pronaf, irradiou-se pelo sudoeste paranaense esprimido contra a fronteira da Argentina, numa faixa de terras das mais férteis do Brasil. Em poucos anos constituiu-se uma rede de 115 cooperativas municipais nos três estados do Sul, do Vale do Ribeira ao Chuí. A Cresol cresceu tanto que o Banco Central, para facilitar o trabalho de fiscalização, sugeriu que se dividisse em duas centrais: uma em Francisco Beltrão, sudoeste do Paraná, e outra em Chapecó, noroeste de Santa Catarina. Duas vezes por ano, o BC instala-se com auditores nas duas centrais e acompanha as filiadas por amostragem.

O sistema Cresol hoje é o maior repassador do Pronaf no Sul, superando bancos privados e rivaliza, no plano nacional, com o Basa, o BNBe o Banco do Brasil. Com créditos para a agricultura familiar que vão, mais freqüentemente, de R$ 800 a R$ 10 mil, só para 17 municípios do sudoeste do Paraná (13,664 mil associados) sua carteira de repasses somou, em 2006, R$ 70,271 milhões.

Os municípios do sudoeste paranaense têm nomes pitorescos: Coronel Vivida, Barracão, Marmeleiro, Nova Espero, Pranchita, Salto do Lontra, Santaí do Oeste, Itapejara, Chopinzinho, Manfrinópolis, Bela Vista do Caroba, Pato Branco, Novo Horizonte. (Neste último, num outdoor de 48 metros quadrados à entrada da cidade, o prefeito expõe o balanço financeiro de sua administração). Na região, as populações urbana e rural se equivalem e, no campo, a agropecuária familiar, além de predominante, é diversificada.

Cria-se galinha caipira, abelha jataí que dá bom mel, e planta-se cana para fazer açúcar mascavo e cachaça, e também arroz do seco, batata, frutas, amendoim, feijão, soja, milho, sorgo - os dois últimos para ração animal, pois a agricultura familiar da região descobriu, nos últimos dez anos, sua verdadeira vocação: produzir leite.

"Com vaca leiteira entra dinheiro todo o mês, não precisa esperar um ano para a colheita de safra. Basta encarar o trabalho com coragem, pois crédito do Pronaf a Cresol tem ", diz Nely Osório, dona com o marido e dois filhos de 32 hectares no município de Marmeleiro. A mãe de Nely, 84 anos, doou a propriedade com o compromisso de filha e genro a sustentarem pelo resto de seus dias - compromisso que, pela energia que demonstra e os palpites que dá nos negócios, vai levar ainda muito tempo para expirar. O marido de Nely, João, acrescenta: "Sem crédito, você não conseguiria comprar 4 vaquinhas de raça. Depois disso, elas próprias se pagam e dão um lucro bem razoável".

O primeiro Pronaf de Nely e João foi para 5 novilhas em 1997. Hoje, vários Pronafs depois, para financiar pastagem, ordenhadeira automática, tanque de expansão para resfriamento do leite, o casal tem 16 vacas da raça Holandês tratadas com homeopatia, sem produtos químicos ou antibióticos, e já vendeu 50 novilhas geradas com inseminação artificial. Nely não gosta das Jersey ("têm cara de depressivas") e se orgulha de Clara, a holandesa campeã que deixa na ordenhadeira de 20 a 22 litros por dia. As vacas costumam ter nomes na agricultura familiar e, em Salto do Lontra, a 55 quilômetros de Marmeleiro, mulher e filhas de Nercy da Silva (12 vacas holandesas, 10 hectares) costumam fazer a chamada na hora da ordenha. Se a convocada estiver no fim da fila, as outras lhe dão passagem.

Maximino Beal, presidente da Cresol de Salto do Lontra, tem sobre a mesa o " relatório de pré-vistoria" que um dos técnicos (agrônomo ou veterinário) da cooperativa acaba de realizar no lote de um candidato a crédito de R$ 3.000 do Pronaf Investimento para comprar uma ordenhadeira. Diz: "É arrendatário. Rebanho atual 4 vacas e 4 novilhas, área total 6 alqueires (14,5 hectares), planta soja, milho em 3 alqueires, 3 de pastagem. Leite, 1.500 litros mensais. Aprovado". A liberação do crédito vai ocorrer na apresentação da nota fiscal e o técnico fará nova vistoria para saber se a ordenhadeira está em uso.

"Às vezes, a gente não aprova porque o associado não pode pagar. Em outras, o técnico sugere mudança nos planos. Por exemplo, quer comprar quatro vacas mas não tem pasto. Sugerimos que compre duas vacas e use o resto do financiamento para melhorar a pastagem. É melhor um não bem dito do que um sim mal dito", afirma Maximino, ele próprio agricultor familiar, como todos os diretores da Cresol. Sua mulher e quatro dos cinco filhos ajudam no trato de 12 vacas Jersey em 18 hectares, a 10 minutos da sede do município.

A produção de leite na região cresceu tanto (27 mil famílias produzem 1,5 milhão de litros por dia, movimento de R$ 150 milhões por ano) que os produtores familiares se organizaram para melhorar o preço de sua relação com os lacticínios. Com apoio da Cresol, da Emater, do MDA, de sindicatos e várias prefeituras, surgiu o Sisclaf - Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar. Já são vinte e três as Claf da região. A própria cooperativa recolhe o leite com o produtor e o transporta até o lacticínio em caminhões tanques.

Acabou o que Maximino Beal chama de "relação de compadres" - "faço o favor de buscar o leite na sua porta e você aceita o meu preço". O preço é negociado pela cooperativa, que pode mudar de freguês ao final do contrato anual. "E agora tem nota fiscal, o governo gosta", diz Maximino. "É uma relação de mercado", diz Nercy da Silva, da Claf de Salto do Lontra.

As cooperativas agora se preparam para um salto de qualidade : a compra conjunta de plataformas de leite, tanques equipados com refrigeração para 30 milhões de litros, estratégica e geográficamente distribuídos na região, para armazenagem, conservação e venda no atacado. "Com essas plataformas", diz Nercy, "dá para pensar em mercado até fora do estado". Crédito, obviamente do Pronaf e repasse do sistema Cresol.