Título: Ministro prevê desvalorização do peso
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2013, Internacional, p. A10

O peso argentino poderá se desvalorizar em até 20% ao longo deste ano, sinalizou ontem o secretário de Comércio Guillermo Moreno, em entrevista publicada pelo jornal governista "Página 12". Moreno estava na comitiva da presidente Cristina Kirchner, que visita o Vietnã, e é um funcionário conhecido pela aversão a declarações. Raramente chega a fazer até mesmo discursos em público.

"Não é despropositado pensar que podemos fechar 2013 com o dólar perto de seis pesos, com um ritmo de apreciação similar ao do ano passado. Uma desvalorização de 18% a 20% não seria absurda", afirmou Moreno. Na verdade, a cotação oficial fechou 2012 em 4,91 pesos por dólar, uma variação de 14,4% ao longo do ano passado. Caso a variação percentual em 2013 se mantivesse a mesma, o peso fecharia este ano a 5,60 unidades por dólar, exatamente a projeção que a maioria das empresas de consultoria havia feito.

"Agora vamos ter que refazer os cálculos, porque parece que o governo expôs uma meta informal e vai acelerar o processo de desvalorização", ironizou o economista Fausto Spotorno, diretor de pesquisa da consultoria OJF.

A Argentina viveu dois anos de atraso cambial, com o dólar flutuando abaixo de dois dígitos entre 2010 e 2011, enquanto a inflação real do país permanecia acima de 20%. Isso que gerou um substancial aumento do custo de mão de obra e de insumos em dólar. "A situação era sustentável a curto prazo porque o Brasil, nosso principal parceiro comercial, também estava com atraso cambial e aumento de custos. Mas desde meados de 2011 o Brasil começou a corrigir esta política e a competitividade da Argentina seria liquidada se não começasse a haver uma desvalorização", comentou um opositor de Cristina, o ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna.

O Brasil em 2012 desvalorizou o real em relação ao dólar em 9,4%. Mas, em 2011, a desvalorização da moeda brasileira foi de 13,6%, período em que o peso moveu-se 8,3%. O resultado da movimentação cambial brasileira e argentina nos últimos dois anos acabou sendo um jogo de soma zero: a cotação bilateral do último 31 de dezembro era de 2,40 pesos por real, apenas um centavo superior à registrada na mesma data em 2010.

"Continuamos competitivos em relação ao Brasil, mas isso porque o real está relativamente caro em relação ao dólar. Se o Brasil continuar tomando medidas para reduzir a estrutura de custos de sua indústria, o único caminho para a Argentina é aumentar a desvalorização, o que sempre tem um custo político altíssimo", disse Lavagna.

Na entrevista, o próprio Moreno reconheceu o custo político que uma desvalorização mais acentuada do peso poderá ter. "No fundo, todos sabem que isso vai gerar um conflito distributivo, uma queda no consumo e um aumento de preços, o que termina sendo pior para muitas empresas", afirmou.

Para economistas afastados da Casa Rosada, a estratégia argentina de conter a perda de competitividade com mais desvalorização dificilmente surtirá efeitos relevantes. "Em um contexto em que temos uma inflação real da ordem de 25% a 30%, não vai mudar muito desvalorizar oficialmente a moeda em 20%. O governo perdeu a ferramenta cambial como um instrumento para conter a inflação e, em consequência, perdeu esta arma também para restabelecer competitividade", disse Maximiliano Castillo, da consultoria ACM, ex-gerente do Banco Central.

Uma medida de como o dólar oficial deixou de ser referencial de preços foi a escalada das cotações do dólar paralelo. Até 2011 a diferença entre as duas cotações era insignificante, mas com a série de medidas restritivas tomadas desde então pela presidente Cristina Kirchner para coibir a saída de recursos do país, a compra de dólar para investimento ficou inviabilizada.

Ontem, o dólar negociado informalmente a 7,42 pesos, ou 49,5% acima da cotação de venda do dólar oficial, de acordo com valores divulgados por diversos meios de informação argentinos. "Até o ano passado, a cotação paralela do dólar não permitia ao investidor considerar a aquisição de moeda no mercado informal como um mecanismo válido de proteção de investimentos. Hoje já não se pode ter esta certeza", afirmou a consultoria Analytica.