Título: Brasil vai reclamar, na OMC, de "extorsão" no comércio de camarão
Autor: Moreira, Assis e Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2007, Brasil, p. A4

O Brasil vai pedir explicações aos Estados Unidos, em reunião bilateral hoje em Genebra, sobre uma nova dificuldade imposta a produtores brasileiros de camarões no mercado americano: fazer pagamentos aos produtores americanos ou enfrentar tarifas mais altas. "É um processo de extorsão", define o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Camarões (ABCC), Itamar Rocha. "Se a empresa não fizer acordo para pagar, este ano a sobretaxa passa de 7% para 48%", afirma a advogada Raiana França, que representa em Natal o escritório americano Cameron & Hornbostel, de Washinghton.

"O Brasil está preocupado com essa prática que desvirtua ainda mais o comércio", disse Fernando de Magalhães Furlan, diretor do Departamento de Defesa Comercial, do Ministério do Desenvolvimento, que tratará do problema com representantes do governo americano. O que está acontecendo vem no rastro da ação da Southern Shrimp Alliance, grupo fundado em 2002 na Flórida para combater a importação de US$ 2,8 bilhões de camarões por ano.

Em 2003, a aliança pediu ao Departamento de Comércio e Comissão Internacional de Comércio para abrir uma investigação contra o produto importado de seis países: Brasil, China, Equador, Índia, Tailândia e Vietnã. Seu escritório de advocacia apresentou 148.800 paginas de petições para mostrar que esses países exportavam com preços deslealmente baixos, ameaçando os pescadores americanos.

Em fevereiro de 2005, o Departamento do Comércio impôs tarifas adicionais de 3,5% a mais de 100% sobre o valor do camarão importado desses países. Com isso, só no ano passado os produtores americanos embolsaram US$ 102 milhões através da "emenda Byrd", pela qual o governo dos EUA distribui o que for arrecadado em sobretaxas antidumping ou anti-subsídio às empresas americanas que pediram a investigação contra o produto estrangeiro acusado de concorrência desleal. Essa emenda deve ser eliminada este ano, depois de condenada na Organização Muncial do Comércio (OMC).

Só que John Williams, diretor-executivo da Southern Shrimp Alliance, resolveu ganhar ainda mais em cima dos concorrentes estrangeiros. Com a ajuda do escritório de advocacia Dewey Ballantine, de Washington, passou a ameaçar os exportadores externos com taxas mais altas.

Pela lei americana, todos os anos, o Departamento de Comércio pode fazer uma revisão administrativa das tarifas antidumping aplicadas contra produtos estrangeiros. Basta que algum interessado peça a revisão. A demanda pode ser retirada em três meses, o que engaveta a revisão pelo governo.

No ano passado, no primeiro aniversário das sobretaxas para os camarões, a associação dos produtores americanos pediu a revisão e em seguida procurou negociar com produtores brasileiros em troca de um porcentual de suas vendas para os EUA. Os americanos fizeram isso com mais de mil empresas do mundo inteiro no ano passado, segundo Felipe Berer, um advogado brasileiro que trabalha no escritório americano Bryan Cave, em Washington.

No total, 52 empresas brasileiras foram selecionadas para revisão de investigações antidumping. Semanas depois, 35 foram retiradas da lista, a pedido dos produtores americanos. "Os advogados brasileiros é que propuseram a negociação. É tudo legal", afirmou Deborah Long, assessora da associação dos produtores americanos, na Flórida. "Nada tem extorsão, é acordo entre os privados".

"Quando vimos que a Tailândia e o Vietnã fizeram acordo, tivemos que oferecer algo e a aliança americana em troca nos retirou da lista", confirmou a advogada Raiana França, em Natal. Entre as empresas brasileiras que fizeram acordo, estão Maricultura Rio Grandense, Maricultura Tropical, Potiguar, Empaf, Potiporã, Camanor, Pesqueira, Ipesca e Cida.

Os contratos assinados são protegidos por acordos de confidencialidade. Sabe-se que as empresas brasileiras aceitaram pagar 2% do valor de suas exportações aos EUA em 2005 para se verem temporariamente livres do problema. Afinal, aceitar pagar não significa o fim da tarifa. Mas significa que a empresa se livra do risco de a sobretaxa aumentar e também que ela abre mão do direito de tentar reduzir a tarifa na revisão. A indústria americana de móveis está fazendo o mesmo com produtores chineses.

"As empresas acham que sai mais barato pagar e ficar livre do problema do que se preparar para enfrentar os produtores americanos", disse Berer. Raiana confirma que a defesa de casos antidumping custa, pelo menos, US$ 250 mil nos EUA.

Há poucos meses foi iniciado o processo de revisão deste ano. Os americanos selecionaram outras 41 empresas brasileiras. Duas que não fizeram acordo, Aquática e a Compescal, foram sobretaxadas em 55,05% e 23,11%, respectivamente, na segunda revisão preliminar. Outras companhias que não se entenderam com os produtores americanos terão que pagar agora 48,13%. Duas empresas que não responderam às comunicações do departamento, a Valencia e a SM Pescados, receberam uma tarifa de 349% como punição.

As que aceitaram o acordo continuarão com as tarifas antigas, em torno de 7%. Só que, como o Brasil ainda espera redução da tarifa na decisão final, o preço está para ser definido. E vai aumentar, variando de 2% a 5% do valor das exportações, segundo Raiana.