Título: Rússia adverte Ocidente e suspende acordo de armas
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Fonte: Valor Econômico, 27/04/2007, Internacional, p. A15

Num discurso duro contra a Ocidente, o presidente russo, Vladimir Putin, suspendeu ontem a participação de Moscou em um tratado de controle de armas com a Europa. A decisão foi recebida com preocupação e críticas por europeus e americanos.

Em seu último discurso anual ao Parlamento - ele não disputa as eleições de março de 2008 - Putin criticou ainda parte do fluxo de recursos estrangeiros, que estaria sendo usada para envolvimento em questões políticas internas da Rússia. "Nem todos gostam do crescimento gradual e estável do nosso país. Há alguns que usam a ideologia democrática para interferir em nossos assuntos internos."

Ele não especificou os alvos da crítica, mas recentemente o governo endureceu as normas de financiamento externo a ONGs no país.

O tratado suspenso por Putin é o de Forças Convencionais na Europa (FCE), assinado em 1990, logo após o fim da Guerra Fria, e que impõe limites a armas não nucleares no continente europeu. A Rússia ameaçou se retirar em definitivo do acordo a menos que os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, aliança militar ocidental liderada pelos EUA) ratifiquem a versão revista em 99.

Putin acusa o Ocidente de se aproveitar da situação para ampliar sua presença militar na fronteira com a Rússia. Outro motivo da insatisfação é o plano dos EUA de montar um sistema de escudo anti-mísseis no Leste Europeu. Os EUA sustentam que o objetivo do escudo seria conter a ameaça de possíveis ataques que possam ser perpetrados por países como o Irã. A Rússia rejeita essa alegação e insiste que o sistema afetaria o equilíbrio militar na Europa.

Putin disse que, ao não estarem cumprindo sua parte no acordo, "nossos parceiros estão se comportando incorretamente, para dizer o mínimo, usando essa situação para construir sistemas de bases militares próximos às nossas fronteiras". E acrescentou que considera necessário "declarar uma moratória até que todos os países da Otan ratifiquem (o acordo)".

O FCE limita o número de aviões, tanques e outros armamentos não nucleares ao redor da Europa e estipula onde esses equipamentos podem ser instalados. Se Moscou se retirar do tratado, estaria livre para ampliar seu arsenal e concentrá-lo em suas fronteiras.

A Rússia ratificou a versão do tratado de 1999. Otan e EUA se recusaram a fazê-lo até que Moscou retire suas tropas da Moldova e da Geórgia. Segundo Putin, o tratado não tem ligação com a retirada das tropas, mas acrescentou que a Rússia está tomando medidas para remover as tropas dos dois países.

O secretário-geral da Otan, Jaap de Hoop Scheffer, reagiu dizendo que a decisão "foi recebida com preocupação, com séria preocupação, desapontamento e pesar".

Mas especialistas militares avaliam que a Rússia não teria interesse em fabricar mais tanques e armas e espalhá-los pelo país, já que não enfrenta ameça real de ataque a seu território vinda da Europa.

Analistas acreditam ainda que o discurso de Putin teve uma finalidade mais interna, de mostrar um governo firme e assertivo, às vésperas da campanha para as eleições parlamentares e presidencial.

Uma conseqüência prática deve ser o cuidado maior do Ocidente na questão de Kosovo, região autônoma da Sérvia hoje sob administração da ONU. Discute-se a conveniência de permitir a independência de Kosovo, i que a Sérvia, aliada de Moscou, rejeita.