Título: Um bom plano para o caos do ensino público
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2007, Opinião, p. A18

Podem parecer excessivamente tímidos os prazos e metas definidos no Plano de Desenvolvimento da Educação (PED) anunciado anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas é forçoso reconhecer que, diante da realidade educacional do país, é um plano factível. O PED prevê que, até 2021, o Índice de Desenvolvimento Básico (Ideb) atual de 3,8 para o segmento escolar da 1ª a 4ª série, numa escala que vai até 10, suba para 6, o equivalente a países medianos da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). Para o nível que vai da 5ª a 8ª série, cuja média hoje é de 3,5, ele teria como meta chegar a 5,5. E, no ensino médio, a meta é passar dos atuais 3,5 para 5,5. No índice criado pelo MEC para aferição de qualidade educacional, o Ideb, a escala é 10, que seria o máximo de qualidade educacional. Embora pareça muito pouco para um espaço de tempo tão grande, não se pode desconsiderar o fato de que, por exemplo, a realidade hoje é a de que o Brasil estava, em 2003, em último lugar entre os 30 países medianos da OCDE em ensino de matemática.

Pelo nível dos diagnósticos e detalhes que o PED apresenta, está longe de parecer um improviso do governo para atender uma demanda que se tornou uma unanimidade no país: uma educação pública de qualidade, necessária para reduzir o abismo que separa ricos e pobres. O plano é concebido com base em um diagnóstico realista e prima pelo esforço de não compartimentar a educação: ela é tratada como um todo, que se inicia na pré-escola e chega até a universidade, e nesse todo a qualidade de cada ciclo depende daquela obtida nos anteriores. É possível constatar uma coerência nas diversas medidas propostas para o ensino infantil, o ciclo básico, o ensino médio e a universidade, de tal forma que se pode afirmar que existe complementaridade entre elas.

O programa não parte do nada, mas de uma realidade inédita no país: a quase universalização do ensino básico, processo que se deve às medidas educacionais inicialmente tomadas nos governos FHC, em especial ao Fundef, inspirador do atual Fundeb. Mas, se pela primeira vez o país consegue manter no ciclo básico 96% de suas crianças, não fez acompanhar essa expansão pela qualidade de ensino.

O PED, ao centrar na melhoria da qualidade do ensino público, partiu do princípio salutar de que cada município tem uma realidade diferente - e, dentro dele, cada escola tem um problema específico. O Índice de Desenvolvimento Básico (Ideb) criado pelo MEC é, sem dúvida, um parâmetro necessário para lidar com essa diversidade. A outra medida que indica a intenção de não pasteurizar a solução, mas privilegiar ações admitindo diferenças, é a criação de grupos de consultores que terão a função de percorrer todas as escolas do país, fazer diagnósticos, propor primeiras medidas mas, sobretudo, definir metas de aumento de qualidade educacional junto aos gestores.

O Ideb terá a função de selecionar os mil municípios com os piores indicadores, que terão prioridade neste primeiro momento - assistência técnica e financeira estimada em R$ 1 bilhão em 2007. Mas o MEC prevê um acréscimo de participação no Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), para investimentos em projetos pedagógicos e em infra-estrutura, às escolas que conseguirem, a partir de 2008, cumprir as metas.

O programa trata da pré-escola, o que também é um avanço. Existe um consenso entre os especialistas, baseado nas estatísticas, de que o desempenho escolar a partir do 1º ano será sempre melhor se o aluno tiver passado pela pré-escola. O PED também não sublimou uma realidade que foi desprezada nas últimas décadas, em função, primeiro, da alta inflação, e depois de políticas fiscais excessivamente austeras: a educação depende do professor. Qualquer projeto de qualificação desse setor passa pela folha salarial. A definição de um piso nacional para o educador poderá trazer melhores profissionais para as escolas e dar condições financeiras para aqueles que já estão no sistema educacional se atualizem e aprimorem os seus conhecimentos.

O plano é bom. O que é preciso saber qual será o grau efetivo de prioridade que será dado a ele. A medida disso será o fluxo orçamentário para as ações nele previstas - a começar pelo R$ 1 bilhão do plano de emergência para as escolas com pior desempenho do país.