Título: Novo decreto ameaça a rentabilidade da Petrobras na Bolívia
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2007, Especial, p. A20

O ano que passou não foi bom para a Petrobras na Bolívia. O lucro foi de US$ 27 milhões, contra US$ 107 milhões no ano anterior. Mesmo com os investimentos suspensos naquele país há três anos, a Petrobras aportou na economia boliviana US$ 858 milhões em 2006. Desses, US$ 730 milhões foram pagos em impostos e royalties, o que explica em boa parte a melhora do resultado fiscal da Bolívia.

"Esse é o resultado da reforma produtiva no país, que compromete a capacidade da indústria crescer e buscar novos mercados. Nossa capacidade de investir é virtualmente zero", afirmou José Fernando de Freitas, presidente da Petrobras Bolívia.

A queda no lucro líquido foi causada, em grande parte por um aumento da tributação sobre a produção dos campos de San Alberto e San Antonio, os maiores do país, operados pela estatal brasileira (35%) e com sociedade da Repsol YPF e a Total. Sobre eles foram pagos mais de US$ 300 milhões por uma contribuição adicional de 32%. A Petrobras pagou US$ 99 milhões. Ela e as sócias discutem com o governo o pagamento de US$ 192 milhões que entendem terem sido indevidos.

Agora a Petrobras enfrenta um novo problema. A resolução 255 do Ministério de Hidrocarbonetos e Energia redistribui fatias de produção de gás voltadas para o mercado interno, que tem preço tabelado, e para os mercados externos, onde o preço varia entre US$ 4 e US$ 5 o milhão de BTU.

Segundo a Petrobras, a 255 fere cláusula de prioridade da estatal prevista no acordo de suprimento de gás (GSA) firmado pelos dois países. "Querem deslocar a Petrobras para dar espaço para a Chaco e a Andina", diz Freitas, referindo-se a duas empresas que foram reestatizadas. A seguir, trechos da entrevista.

Valor: Qual é o atual estágio das negociações de preço e a transferência do controle das refinarias da Petrobras para o Estado boliviano?

José Fernando de Freitas: Essa reunião em Caracas [na Cúpula Energética Sul-Americana, na Venezuela] trouxe um nível de tensão muito grande, mas estamos negociando. Na sexta-feira tive uma reunião em La Paz para conversar com o ministro Carlos Villegas [de Hidrocarbonetos e Energia] sobre todos os aspectos relacionados ao gás. Decidimos formar alguns grupos de trabalho para continuarmos negociando. Ainda não discutimos preço. Nem dissemos quanto a gente quer e nem eles fizeram proposta.

Valor: Discutindo o quê?

Freitas: O preço é o problema mais sério, contudo não adianta discutir preço sem conhecer o resto das condições de contorno. Não faz sentido. E eventualmente esse resto pode, se não chegarmos a um acordo, nos poupar de todo o resto. Até agora existem apenas declarações do tipo quero comprar pelo valor contábil, e eu quero vender pelo valor de mercado.

Valor: Do que a Petrobras não abre mão?

Freitas: Deixamos claro que a Petrobras aceita continuar sócia das refinarias desde que tenhamos condições de manter nossa filosofia de operação. A Petrobras não vai emprestar seu nome para um empreendimento sobre o qual ela não tem controle e nem certeza de que aquilo está de acordo com seus padrões de operação. Essa forma de operar custa dinheiro, não vem de graça. Não importa se vão colocar o nome da YPFB. Todo mundo sabe que a Petrobras está aqui e, se acontecer algum problema, não tenha dúvida de que ela vai ser arrastada. E, se isso não for definido claramente, para que discutir preço, se de antemão eu não estou de acordo com isso?

Valor: Quando se fala em operação, o que isso envolve?

Freitas: Operação é uma coisa ampla que implica políticas de segurança, meio ambiente e saúde fundamentais para nós; assim como políticas de contratação de serviços e materiais, de RH, de manutenção e as práticas comerciais. Isso tudo faz parte da operação. E mais, essas refinarias para nós são um negócio. Se para outro sócio não é um negócio mas um instrumento, não nos interessa.

Valor: A poucos dias do aniversário da nacionalização, que sinais têm recebido do governo boliviano?

Freitas: O ministro Villegas me disse que acha que as refinarias estão operando corretamente. E que ele não quer mudar isso. O decreto diz que a YPFB precisa ter 50% mais uma ação. Quanto a isso não temos que brigar ou dizer se estamos de acordo ou não. É uma norma legal e válida. Mas isso é uma venda. Temos que acertar condições e preço. Se não chegarmos a um acerto, não tem acordo, vamos ter que sair.

Valor: E o que significa sair?

Freitas: É vender [as refinarias] para a YPFB. Se ela não quiser pagar, vamos brigar.

Valor: Se deixar o controle das refinarias, o resultado da empresa na Bolívia perde equilíbrio?

Freitas: Não. O grande interesse da Petrobras na Bolívia é o gás que vai para o Brasil. Esse é um grande negócio para a Petrobras. A companhia foi um dos instrumentos de desenvolvimento do mercado de gás no Brasil. As pessoas compraram gás no Brasil porque viram, em grande medida, que a Petrobras estava por trás do negócio. E a Petrobras não pode e não vai, por política, deixar criar um ambiente de insegurança. São várias coisas que precisamos equilibrar.

Valor: Com a aprovação dos novos contratos a situação melhora?

-------------------------------------------------------------------------------- Querem deslocar a Petrobras do GSA [acordo de fornecimento ao Brasil] para dar espaço para a Chaco e a Andina [estatizadas]." --------------------------------------------------------------------------------

Freitas: Os contratos devem ser protocolados até o início de maio e garantem uma rentabilidade adequada. A rentabilidade é menor do que tínhamos antes, mas, se considerarmos todo esse entorno, o negócio faz sentido. Se saírem as refinarias, será um elo da cadeia. Se piora esse negócio? É claro que piora. A única hipótese de eu sair de um negócio e o resto melhorar é se esse negócio fosse uma furada tremenda. E a gente não entrou nesse negócio porque era uma furada. As condições mudaram, ficou uma maluquice danada aqui, mas é um negócio que a gente sabe fazer, é o nosso negócio. De qualquer modo, não é o fim do mundo.

Valor: A companhia ainda discute a devolução da contribuição adicional de 32% sobre a produção?

Freitas: Claro. Para nós a contribuição adicional deveria ter sido encerrada dia 28 de outubro do ano passado, quando assinamos os novos contratos. O decreto dizia que se tinha 180 dias para assinar os contratos e nesse período iria vigorar uma contribuição adicional. Assinamos e hou-ve depois outro decreto estendendo a contribuição até a protocolação dos contratos. Já entramos com recurso administrativo e temos vários outros passos para seguir. Agora vamos buscar o ressarcimento na Justiça.

Valor: Quanto foi pago a mais?

Freitas: A Petrobras pagou US$ 99 milhões no período de maio a dezembro de 2006 por esse imposto adicional de 32%. No total, os campos de San Alberto e San Antonio pagaram mais de US$ 300 milhões em 2006, incluindo a participação de todos os sócios [Petrobras, Andina/Repsol e Total]. Ainda tem a parte paga este ano, que é de cerca de US$ 128 milhões. Entendemos que as contribuições pagas desde novembro não são devidas, e por isso estamos questionando pagamentos de US$ 192 milhões, sendo 35% disso da Petrobras.

Valor: Além das refinarias, qual o grande problema da Petrobras hoje na Bolívia?

Freitas: É uma resolução, de número 255, que estabelece que o mercado interno, hoje de 5 a 6 milhões de metros cúbicos por dia, será redistribuído entre as empresas. Ele desconhece os atuais contratos de compra e venda e pretende redistribuir as vendas segundo os níveis de produção. Quem produz mais vai vender mais para o mercado interno, e quem produz menos venderá menos. Ocorre que o preço para o mercado interno tem uma diferença significativa, está em torno de US$ 1 a 1,5 por milhão de BTU. Os mercados de exportação estão entre US$ 4 e US$ 4,5, chegando a US$ 5 em alguns casos.

Valor: Isso significa que a Petrobras perderia uma fatia do mercado de exportação para o Brasil?

Freitas: Pela 255 a Petrobras Bolívia tem que reduzir sua participação no contrato de suprimento para o Brasil, o GSA. Hoje, os campos de San Alberto e San Antonio, que são os maiores produtores da Bolívia fornecem para o mercado interno só 300 mil metros cúbicos por dia. E com essa penada passam a ter que fornecer 3 milhões de metros cúbicos. Já quem fornecia esses 2,7 milhões de metros cúbicos para o mercado local poderá exportar para a Argentina por US$ 5.

Valor: Existe então claramente uma possibilidade de perda de receita da Petrobras e os sócios?

Freitas: A resolução diz que aqueles que supriram nos últimos 10 anos o mercado interno vão ter uma parte da produção livre. Isso acontece no momento em que se abrem novos mercados de exportação para a Argentina e até de mercados para o Brasil. Mas o ponto ao qual quero chegar é que a Petrobras entrou na exploração na Bolívia porque houve um acordo de compra e venda de gás entre Brasil e Bolívia. Me lembro que na época se dizia que o gasoduto [Gasbol] ligaria um país sem reservas a um país sem mercado. Mas aí aconteceram as coisas. O gasoduto foi a saída. E uma das cláusulas do acordo diz que os campos da Petrobras que estivessem em produção teriam prioridade para fornecimento ao Brasil.

Valor: O contrato com o Brasil dá preferência ao gás da Petrobras?

Freitas: Sim. Mas havia uma prioridade anterior para as empresas que já atendiam o mercado argentino. Isso pareceu bastante razoável, pois já estavam produzindo aqui cerca de 6 milhões de metros cúbicos e, como o mercado argentino ia deixar de existir, elas teriam que parar. Os campos da Petrobras estavam em segundo lugar como prioridade para vender ao Brasil. Mas o risco maior que se demonstrou foi do mercado brasileiro. E como estávamos aqui para funcionar como uma espécie de hedge natural da situação, enquanto desenvolvíamos o mercado no Brasil, tínhamos prioridade para entrar no Gasbol. O mercado da Bolívia era tomado pelas herdeiras da YPFB, que são a Chaco e a Andina.

Valor: A opção pelo mercado boliviano foi uma decisão das empresas na época...

Freitas: Isso. Elas preferiram ficar com o mercado interno porque o gás para o Brasil tinha pouco volume enquanto o mercado interno era maior. Nessa época os preços eram iguais, pouco mais de US$ 1. Só que para o Brasil era um pouquinho. Tentamos algumas vezes, para sair do sufoco, abocanhar um pouco desse mercado, mas a Andina e a Chaco reagiram fortemente. A decisão de suprir o mercado interno ou externo foi tomado, na época, segundo a estratégia de cada empresa. Esse é o ponto que precisa ficar claro sobre nossa posição com relação à resolução 255. A Petrobras amargou, durante muito tempo, um mercado que patinava. Hoje, quando se vê o gasoduto transportando 26 milhões de m3/dia é o paraíso. Mas demoramos para chegar aqui.

Valor: Mas se há uma proteção legal, qual é o problema?

Freitas: Depois que assinamos os novos contratos, em outubro, veio a 255. O novo contrato tem uma cláusula, a 7.15 que fala de mercado interno. Lá diz que, se houver um aumento do mercado interno, em volumes adicionais, vai ter que comparecer. Isso é muito razoável. Mas se refere claramente a mercados adicionais.

Valor: Então essa resolução contraria os atuais contratos?

Freitas: A 255 é discriminatória, fere a cláusula de prioridade da Petrobras para o GSA. Querem deslocar a Petrobras do GSA para dar espaço para a Chaco e a Andina. E nosso ponto aqui é que o GSA é fundamental para a Petrobras.