Título: Dólar sobe com dissonância entre Tombini e Mantega
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Fonte: Valor Econômico, 31/01/2013, Finanças, p. C2

O aparente conflito entre Banco Central e Fazenda sobre o que querem para o câmbio agitou o mercado ontem, levando a uma disparada na volatilidade do dólar. Entre mínima e máxima, a moeda americana variou quase 1%. Sem saber se a taxa de câmbio será usada como instrumento de controle da inflação, como parece querer o BC, ou para beneficiar a indústria, como defende o ministro da Fazenda, Guido Mantega, investidores e exportadores já começam a evitar o mercado de câmbio.

Após abrir em baixa, ameaçando as mínimas em mais de nove meses, o dólar passou a subir enquanto Mantega falava a prefeitos reunidos em Brasília, e chegou a superar o patamar de R$ 2, recém-perdido na terça pela primeira vez desde julho de 2012. O BC, porém, entrou em cena pouco mais de meia hora depois, com anúncio de leilão de linha compromissada. A operação, para rolar US$ 1,2 bilhão desses papéis que vencem sexta, fez ceder o dólar, que fechou a R$ 1,989, com ganho de 0,20%.

Parte do mercado acredita num conflito de interesses entre BC e Fazenda com respeito ao câmbio, o que tem deixado o mercado sem rumo. Desde o fim de dezembro, a autoridade atuou pesado para derrubar o dólar. De 26 de dezembro, quando o BC pegou o mercado de surpresa com dois leilões de swap cambial tradicional (que têm o efeito de uma venda de dólar futuro) até ontem, o real se valorizou 4,39% ante o dólar, e lidera os ganhos entre moedas de países exportadores. Mantega, por outro lado, defende um real mais fraco, para elevar a competitividade das empresas brasileiras no exterior.

"Eles conseguiram tirar a previsibilidade e a credibilidade do mercado ao mesmo tempo", disse Reginaldo Siaca, gerente de câmbio da Advanced Corretora. "O câmbio está imprevisível, o direcionamento neste momento está muito incerto."

O efeito dessa imprevisibilidade já se sente nas mesas de operações, onde começam a secar os pedidos de fechamento de câmbio pelos exportadores e de abertura de posições em dólar no mercado futuro. Sem tendência definida, o risco mais alto afugenta investidores.

"Essa confusão nos discursos [entre BC e Fazenda] já está tendo efeito na exportação. Desde segunda, vários contratos que estavam para ser fechados foram travados, e os fechamentos para os próximos meses foram adiados", diz o gerente de câmbio de um banco. "O exportador que poderia internalizar receitas agora vai esperar."

O imbróglio entre BC e Fazenda também acaba por impossibilitar, segundo alguns agentes, exatamente o que ambas instituições dizem querer para o câmbio: a queda na volatilidade do mercado.

"Há muito barulho. Essa comunicação do governo, bastante falha e cheia de brechas, resulta numa volatilidade desnecessária", disse uma analista. "E essa volatilidade é o elemento mais negativo para o investimento, justamente o que o governo quer estimular. Isso explica por que o fluxo cambial não melhora."

Segundo dados divulgados ontem pelo BC, o fluxo cambial está negativo em US$ 2,692 bilhões no ano até o dia 25, resultado de um déficit de US$ 3,364 bilhões na conta comercial, parcialmente compensado pelo saldo positivo de US$ 672 milhões na conta financeira.

O leilão de linha realizado pelo BC ontem teria sido motivado por aspectos técnicos: a falta de liquidez do mercado em ambiente de elevado fluxo cambial negativo.

"O fato de o BC ter vindo e renovado as linhas de crédito foi uma extensão das medidas que ele fez em dezembro", disse Flavia Cattan-Naslausky, estrategista de câmbio para a América Latina do RBS Securities. "O BC está vendo que a liquidez "onshore" [do mercado local] não está boa e está tentando atacar esse problema."

Outra corrente de pensamento no mercado, porém, enxerga uma ação coordenada entre BC e Fazenda, apesar das aparências. Enquanto a função do BC seria a de tranquilizar o mercado quanto a uma eventual pressão inflacionária causada pelo dólar muito valorizado e aliviar as expectativas de inflação, Mantega teria a responsabilidade de acalmar os receios da indústria com um real muito forte.

"O Mantega está cuidando do piso e o BC do teto da banda cambial", disse Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor da Modal Asset. "Resumindo, o BC quer o dólar abaixo de R$ 2 e Mantega não quer abaixo de R$ 1,95."

Para ele, o governo quer realmente o dólar um pouco mais baixo, perto de R$ 1,90, onde pode ajudar no controle de preços, nesses primeiros meses do ano, quando se concentram as pressões inflacionárias. Depois disso, deixaria que a moeda voltasse a se apreciar até o patamar de R$ 2.

Para José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, não há contradição nas atuações de BC e Fazenda, e a virada na tendência do dólar ontem veio mais do nervosismo do mercado com o PIB ruim dos EUA do que da fala do ministro Mantega. Para ele, a tal "queda de braço" entre BC e Fazenda é apenas o resultado da necessidade de o Ministério adotar um discurso mais politizado que a autoridade monetária, que tem de manter a fachada de independente, ainda que siga as orientações do Planalto.

Há, ainda, quem veja indícios de uma disputa nos bastidores do governo como justificativa para as atitudes conflitantes das duas instituições. A condução do câmbio seria um dos campos de batalha dessa briga. Segundo o diretor de um banco estrangeiro, a presidente Dilma Rousseff estaria apenas esperando que a economia se recupere o suficiente para promover a saída de Mantega do governo num momento "bom" e seu possível sucessor seria o presidente do BC, Alexandre Tombini.

"Acho que muito dessa briga BC versus Fazenda tem a ver com esse processo. Um tentando impedir e o outro tentando acelerar o processo", disse o executivo.