Título: Disputa com Zélia levou à queda da ministra
Autor: Cunto , Raphael Di
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2013, Especial, p. A14

Os negócios de Gilberto Miranda levaram a uma disputa por poder na Zona Franca de Manaus que influenciaram até na queda da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, titular da Fazenda, conhecida pelo confisco da poupança no governo Collor (1990-1992).

O irmão de Miranda, Egberto Batista, era amigo de Collor e foi escolhido para a Secretaria de Desenvolvimento Regional, que controlava a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) - órgão responsável pela aprovação de projetos na região e de determinar o valor que as empresas podem importar por ano.

A briga começou quando Egberto baixou portaria que acabava com as quotas globais de importação, o que permitiria à Suframa dar créditos adicionais às empresas. Nos bastidores, Zélia fez chegar à imprensa que isso beneficiaria principalmente Miranda. A pressão fez Collor revogar a portaria.

Meses depois, em nova queda de braço, Zélia elaborou projeto para reduzir o poder de Egberto na Zona Franca. A proposta tirava da Suframa a prerrogativa de examinar e liberar as quotas de importação e transferia a função para o Departamento de Comércio Exterior, subordinado ao Ministério da Economia.

Já enfraquecida por críticas à condução da economia e por um caso amoroso com o então ministro da Justiça, Bernardo Cabral - que era casado -, Zélia não aguentou o bombardeio que Egberto promoveu junto a Collor. Sem respaldo político, a ex-ministra pediu demissão e Egberto voltou a articular, embora sem sucesso, o projeto de extinguir as cotas de importação.

Anos depois de ajudar na queda da ministra da Fazenda, Miranda foi personagem de um escândalo financeiro. Já como senador, relatou na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) os pedidos da prefeitura e do governo de São Paulo para emitir títulos lastreados pelo Tesouro Nacional para pagar precatórios - dívidas judiciais de órgãos públicos contra as quais não há mais possibilidade de recurso.

Esses pedidos precisavam de autorização do Congresso Nacional e, com aval do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a emissão de títulos foi permitida para dez governos estaduais e prefeituras. Miranda negociou pessoalmente com o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (1993 a 1996), e seu secretário de Finanças, Celso Pitta, que se elegeu prefeito em 1996.

Segundo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Precatórios, o prefeito e seu secretário teriam superestimado os precatórios para emitir quase R$ 1 bilhão em títulos, quando a dívida era cerca de um terço desse montante. O dinheiro foi usado para outros fins que não o pagamento das dívidas, o que era proibido pela Constituição Federal.

A suposta fraude, que teria ocorrido em pelo menos outros três Estados e outras duas cidades, teve ajuda de instituições financeiras, que ainda respondem a processos na Justiça. A CPI quebrou o sigilo bancário, fiscal e telefônico de diretores de 24 empresas, cinco bancos e 18 distribuidoras e corretoras. Essas instituições teriam lucrado altas quantias ao participar da emissão dos títulos e depois comprá-los com grandes descontos.

Miranda, que integrava a CPI como suplente, articulou para retirar o nome de Maluf e de Pitta do relatório final e evitar que fossem indiciados. Teve sucesso parcial, ao fazer com que o documento final tivesse várias versões - os dados foram encaminhados ao Ministério Público (MP).

A ajuda não veio de graça, segundo a ex-mulher de Pitta, Nicéia. Após romper com o ex-marido, ela afirmou que Miranda pressionava o ex-prefeito a pagar as dívidas da prefeitura com a OAS, empresa do genro do senador Antonio Carlos Magalhães (morto em 2007), um dos principais aliados de Miranda. Tanto os ex-senadores quanto a empresa negaram as acusações na época.

No caso dos precatórios, o MP denunciou Maluf e Pitta por improbidade administrativa, corrupção passiva, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e organização criminosa. Pitta, que assumiu já em meio às investigações, ainda enfrentou dois pedidos de impeachment na Câmara Municipal, mas, com uma ampla base de apoio, resistiu no cargo.

Com a emissão dos títulos investigados e os gastos feitos por Maluf para construir grandes obras, a dívida da prefeitura paulistana explodiu e ficou impagável. Para impedir o colapso da cidade e prejuízos milionários para seus credores - como o Banco do Brasil -, o governo federal assumiu os débitos no fim da gestão Pitta.

Esse acordo fez a dívida ser reajustada mensalmente pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 9%, com previsão de ser paga em 30 anos. O contrato é questionado hoje pelo atual prefeito, Fernando Haddad (PT), que o considera impagável e negocia com a presidente Dilma Rousseff (PT) a troca do indexador, para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4%, ou a taxa Selic, o que for menor.