Título: UE 'resiste' à carne bovina do Brasil
Autor: Rocha, Alda do Amaral
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2007, Agronegócios, p. B15

Os criadores de gado bovino da União Européia estão na defensiva diante da competitividade da produção no Brasil e vão explorar as fraquezas do país - principalmente no que diz respeito à sanidade - para tentar barrar o avanço da carne brasileira em seu mercado. A opinião é de Richard Brown, diretor da consultoria suíça Gira Euroconsulting, para quem haverá um "endurecimento" dos europeus se o Brasil não responder às exigências do bloco.

Brown, que participou ontem (dia 26) do Congresso Internacional da Carne, em São Paulo, se referia especialmente a questões como sanidade animal, rastreabilidade do gado, qualidade da carne, bem-estar animal e proteção ao meio ambiente. Sem rodeios, o especialista destacou a percepção ruim que a UE tem da carne brasileira: "A percepção é que a rastreabilidade é fraca, que a qualidade da carne é variável e que o atendimento ao cliente não é confiável", afirmou.

Ele também foi duro ao dizer que é "improvável" que o segmento de carne do Brasil altere esse quadro. "Não há compromisso de pecuaristas e frigoríficos porque é preciso grande esforço", disparou. Brown admitiu que a competitividade brasileira gera as reações protecionistas dos europeus e disse que o fato de o preço do boi na Europa ser o dobro do praticado na América do Sul "é a verdadeira ameaça". Enquanto no Brasil o preço está em US$ 1.800 por tonelada, na UE se aproxima de US$ 4 mil.

A competitividade brasileira assusta os europeus, mas eles dependem cada dia mais da carne bovina da América do Sul, especialmente do Brasil. Segundo Brown, estima-se que o consumo global de carne crescerá 8 milhões de toneladas de 2005 a 2015 - 1,2% ao ano -, para 70,1 milhões de toneladas. Com a queda na produção dos EUA e na UE e a estagnação na Austrália, a América do Sul deve atender grande parte dessa demanda. A projeção da Gira é que o Brasil exportará 3 milhões de toneladas em 2015.

"Até lá a UE vai desaparecer como competidor mundial em carne bovina", disse ele. A estimativa da consultoria é de que o bloco, que já exportou 1 milhão de toneladas com altos subsídios, terá de importar o mesmo volume até 2015.

Projeções da FAO apresentadas na conferência pelo presidente do comitê de Pecuária de Corte da CNA, Antenor Nogueira, indicam que as exportações mundiais alcançarão 10,3 milhões de toneladas em 2015, ante as atuais 8,2 milhões. Para o Brasil, a previsão é de 3 milhões de toneladas. Segundo Nogueira, se o país conseguir elevar a taxa de abate para 30% nos próximos anos, o excedente para exportação do país alcançaria 5,65 milhões de toneladas. Com a taxa de abate atual, de 22%, para um rebanho 205 milhões de cabeças, o excedente exportável é de 2,2 milhões de toneladas. Ele afirmou que se "o mundo der oportunidade, temos capacidade de suprir a demanda". Mas reconheceu que há desafios para ampliar as exportações, como a erradicação da aftosa, a abertura de novos mercados e a efetivação de acordos bilaterais.

O primeiro ponto, aliás, esteve presente em quase todas as discussões de ontem na Conferência Internacional da Carne. O presidente da Comissão Científica da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), Vincenzo Caporale, afirmou que, teoricamente, é possível erradicar a aftosa da América do Sul com a implantação de um programa de vigilância integrado entre os países.

Caporale preside a comissão que recomendou ao comitê internacional da OIE o reconhecimento do Estado de Santa Catarina como área livre de aftosa sem vacinação. Questionado se o status será confirmado, ele disse "há boa possibilidade" de isso acontecer já que o comitê costuma ratificar as recomendações da comissão científica.

Em sua apresentação, Caporale criticou o uso de questões de sanidade como barreiras não tarifárias, e disse que não basta aos países ter os melhores laboratórios. "Se eles não forem bem utilizados, [o país] não vai a lugar nenhum".