Título: Com 17 anos de atraso
Autor: Prates, Maria Clara
Fonte: Correio Braziliense, 12/12/2010, Brasil, p. 13

Chefe da Divisão de Entorpecentes da PF em 1993 conta como se planejou a invasão ao Alemão e por que ela teve de ser adiada

A invasão do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, pelas forças de segurança pública, em 28 de novembro, ocorreu com pelo menos 17 anos de atraso. Em 1993, por determinação do Ministério da Justiça, Exército e Polícia Federal (PF) uniram forças para retomar o Alemão e a Vila Cruzeiro, já sob controle do Comando Vermelho, organização criminosa nascida nos anos 1980 nos presídios cariocas e que controlava o tráfico naquelas comunidades. A operação, que ocorreria nos mesmos moldes da atual, foi abortada apenas cinco horas antes do início previsto. A ordem de cancelamento partiu do então governador Leonel Brizola (PDT), que adotou uma política de ¿respeito e valorização dos trabalhadores¿, proibindo qualquer tipo de incursão policial nas favelas.

Um dos personagens dessa história, o delegado federal Laior Servino Pina, então chefe da Divisão de Entorpecentes da PF do Rio, relembra detalhes da operação e não deixa de lamentar a interrupção da ação que poderia ter oferecido outra face, quase duas décadas depois, ao Morro do Alemão. Ele contou, com exclusividade ao Correio/ Estado de Minas, que a intervenção se daria em duas frentes. Homens do Batalhão de Forças Especiais do Exército, com ajuda de helicópteros, tomariam a parte superior do Morro do Alemão. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal invadiria pela parte baixa, por meio de seus principais acessos.

Sem ter à disposição veículos como caveirões e blindados, que foram usados recentemente na ocupação do morro, a saída na época foi apelar para a improvisação. Além da proteção dos sete helicópteros, os policiais federais usariam como escudo caminhões de lixo da companhia municipal de limpeza urbana, além de carros-fortes de seguradoras de valores, emprestados à polícia. No total, a operação chegou a reunir 480 homens, sendo 180 da PF e 300 do Exército, ou seja, apenas cerca de 20% do efetivo empregado na ação de novembro, que reuniu 2,5 mil homens das polícias Federal, Civil e Militar, além de militares do Exército e da Marinha. Outra diferença é o armamento que seria empregado pelas forças de segurança em 1993: apenas metralhadoras HK e fuzis 7.62. Uma fase ¿romântica¿, se considerado o armamento pesado usado recentemente.

De acordo com Pina, o sinal de alerta para o Ministério da Justiça veio a partir da constatação de que a organização criminosa do então todo-poderoso da região, o traficante Orlando Conceição, o Orlando Jogador, já tinha granadas em seu arsenal de guerra. ¿Nunca tínhamos visto aquilo. O objeto nos foi apresentado em uma das incursões, quando fomos recebidos pelos bandidos com o explosivo. Fizemos o comunicado ao ministério e solicitamos um treinamento especial para lidar com a realidade dos morros do Rio.¿

O resultado das apreensões feitas durante a ocupação dos morros da Vila Cruzeiro e do Alemão pelas forças de segurança em novembro mostra o quanto o tráfico se modernizou nessas quase duas décadas. Centenas de armas de diversos calibres, entre elas metralhadoras .50, capazes de perfurar blindados e derrubar aeronaves, estavam em poder dos bandidos. Além de duas bazucas, os policiais encontraram pelo menos duas dezenas de granadas escondidas nas comunidades.

A CABEÇA DA HIDRA

A ordem do Ministério da Justiça para fazer uma intervenção no Morro do Alemão em 1993 teve planejamento detalhado. Além de treinar as tropas para o que iriam encontrar nas vielas da comunidade, o delegado federal Laior Servino Pina disse que um elaborado esquema de inteligência foi montado. ¿Sobrevoamos o Morro do Alemão fazendo fotos. Com base nelas, montamos uma detalhada maquete. Com esse material, foram definidos os pontos a serem atacados, a estratégia de invasão e por onde sair¿, relembra o delegado. Segundo ele, vários delegados da PF foram mobilizados para colaborar, além dos agentes mais experientes e operacionais.

Clima político O comando dos federais enviou de Brasília uma farta munição. Toda a operação tinha ainda a colaboração do general Dawma Diniz, chefe do Comando Leste do Exército, que policiou a cidade um ano antes, durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, evento que reuniu líderes internacionais de vários países para discutir soluções para o meio ambiente.

Com o planejamento concluído, na véspera do Dia D, a tropa foi reunida em um batalhão do Exército na capital fluminense, às 22h. O plano era deixar o quartel às 5h, para chegar ao local às 6h, horário permitido para a invasão. ¿À noite, o general Diniz, um verdadeiro gentleman, decidiu comunicar ao governador Leonel Brizola a decisão de intervenção policial. À meia-noite, chegou a informação de que a incursão teria de ser suspensa. Brizola disse que, se a ação fosse levada a cabo, ele a interpretaria como uma `intervenção federal¿ em seu governo. O clima político, de fato, era tenso. Era o governo Collor, que sofria forte oposição do governador¿, relembra Pisa. O Exército recuou. A PF insistiu na investida e saiu frustrada, de mãos vazias.

¿Apenas algumas horas depois do comunicado, o vazamento de informações sobre a intervenção fez com que desaparecessem do morro drogas, armas e os criminosos. Subimos e não encontramos nada¿, diz Pina, que conclui: ¿Nosso objetivo era matar a cabeça da hidra¿. (MCP)