Título: CNI discute redesenho da política industrial
Autor: Neumann, Denise
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2007, Brasil, p. A4

A política industrial brasileira, depois de demorar 15 anos para virar um quase consenso, já precisa ser reformulada, defendeu, ontem, o professor David Kupfer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde que o governo Lula elaborou a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), desenhada em 2003 e lançada no início de 2004, duas coisas importantes alteraram o cenário que justificava aquela estratégia: a sobrevalorização cambial e a explosão do fenômeno China.

As mudanças em curso na indústria brasileira e a forma de lidar com elas - seja com a atual política industrial, seja com um redesenho dela - marcaram os debates do II Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). E a posição nos debates variou de acordo com a leitura do que ocorre hoje na indústria.

Os professores Fabio Scatolin, Marcelo Curado e José Meirelles, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), defenderam que o binômio juros alto-câmbio valorizado está levando a o Brasil a um processo de desindustrialização. A perda de participação da indústria no PIB e o recuo do emprego industrial seriam provas deste fenômeno.

Os professores do Paraná ficaram quase sozinhos na defesa deste argumento. Economistas de diferentes visões e que atuam em campos distintos - como Octávio de Barros, do Bradesco, Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Glauco Arbix, da USP - discordaram, por várias razões.

Para Pessoa, o Brasil possui uma matriz industrial diversificada e completa, com status de primeiro mundo. "Estamos a 40 anos estimulando a indústria, não precisa mais", argumenta ele, defendendo que se coloquem todos os reais que poderiam ser usados para supostamente "proteger" a indústria sejam usados na educação.

Arbix discorda veementemente do argumento de que esteja em curso uma desindustrialização no Brasil ou que esteja ocorrendo uma especialização regressiva da indústria. Mas, ao mesmo tempo, diz que o setor precisa mudar. "Ou nossa indústria muda, ou não terá condições de competir no mercado internacional", argumenta. A mudança, contudo, é interna.

E há um grupo de empresas que já trilhou esse caminho, avalia Arbix, em referência a um conjunto de 1.199 companhias (1,7% do total das indústrias brasileiras) que responde por 26% do faturamento do setor no país. "São as empresas que mais exportam, mais inovam, pagam os melhores salários, são mais produtivas", diz ele. A chave da diferença, diz, é o investimento em inovação. Este grupo investe, em média, 3% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento ante uma média de 0,7% da indústria geral.

A inovação, defende João Alberto de Negri, diretor do Ipea, deve ser o foco de toda e qualquer política industrial no Brasil. "Não há necessidade de escolher setores e nem de recuperar antigos mecanismos. O que precisa é incentivar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento", diz ele, discordando da tese de Kupfer, que defendeu redesenhar a política atual.

Um dos problemas, na visão de Negri, é que não há consenso dentro do governo quanto à importância da inovação. "E um sinal é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é uma excelente iniciativa, mas não olha para isso."

A PITCE surgiu em 2004 com dois grandes enfoques: expansão das exportações (com ênfase na atração de investimentos para os setores de bens de capital, semicondutores, fármacos e informática-software) e elevação da capacidade de inovação das empresas brasileiras. Para Kupfer, é preciso revisar a estratégia que levou aos quatro setores-alvo. O câmbio alterou muito a estrutura de custos e hoje, mais do que antes, não compensa montar uma fábrica de semicondutores no Brasil, por exemplo. "A possibilidade de internalizar a produção destes setores no Brasil diminuiu muito", pondera.

Kupfer, embora critique a manutenção dos quatro-setores, ainda acha importante que a política industrial mantenha como um dos seus pilares a atração de capital estrangeiro para que internalizem parte de seus ciclos de produção e desenvolvimento no Brasil. E acha que algum tipo de proteção deva ser adotado e mantido. E isso inclui tarifas de importação.

Nesse ponto, outro estudioso discorda de Kupfer. Mário Sérgio Salerno, da Poli-USP, e que ajudou a elaborar a PITCE, defende que a única barreira a ser mantida seja do tipo não-tarifária e associada à especificações técnicas, qualidade de material, ou anti-dumping.

Kupfer apresentou uma "estilização" do processo industrial brasileiro, dividindo a indústria brasileira em base, miolo e ponta. No primeiro segmento, estão as commodities; no segundo, os produtores de insumos e componentes e a indústria tradicional (alimentação, vestuário, calçados etc); e no último grupo, os duráveis e os de alta tecnologia (velha e nova).

Para Kupfer, há 20 anos o Brasil mantém a mesma estrutura produtiva, com 40% da produção industrial vindo de cada um dos primeiros grupos e 20% do último. Dentro dos grupos, setores cresceram e outros perderam espaço. "Mas ela está inalterada e continua muito diversificada. E assim deve ser mantida", defendeu ele. Para Kupfer, a política industrial precisa agir no sentido de alterar os pesos desses grupos, elevando a participação dos que estão na ponta do processo produtivo.