Título: Agricultura divide países em desenvolvimento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2007, Brasil, p. A6

Raramente uma proposta agrícola foi destruída em tão pouco tempo na Organização Mundial do Comércio (OMC), como ontem, de uma forma que alguns negociadores interpretaram como o começo da fragilização de alianças de países em desenvolvimento.

O alvo da briga foi uma tentativa do Paquistão de fazer um compromisso entre posições de exportadores e importadores sobre "produtos especiais", um dos temas mais polêmicos, por envolver proteção que países em desenvolvimento poderão dar a certas commodities. Por esse mecanismo, Índia, Indonésia, China e outros poderão cortar menos as tarifas para produtos agrícolas que selecionarem como "especiais" por razões de segurança alimentar, combate à pobreza e desenvolvimento rural.

A divergência entre as nações em desenvolvimento explodiu rapidamente. As posições continuaram tão distantes que o presidente do comitê negociador de agricultura, Crawford Falconer, concluiu que nada do que tinha ouvido poderia funcionar para um acordo final.

Um embaixador de país-membro do G-20 chegou a decretar o começo do fim das alianças na Rodada Doha. "Entramos na reta final, os interesses nacionais é que contam e não os grupos"', afirmou. "Quero saber o que vou ganhar, individualmente." Para outro negociador, o debate era facilitado quando se tratava das grandes linhas. Mas agora, em questões especificas, como acesso de produtos agrícolas, "é cada um por si". Um terceiro disse que foi sempre assim em outras rodadas.

No entanto, o Brasil, líder do G-20, a principal aliança em desenvolvimento, contesta essa visão. "Não é verdade de jeito nenhum, isso é um besteirol"', reagiu o embaixador Clodoaldo Hugueney, que hoje organiza uma reunião do G-20 com outros grupos em desenvolvimento. "Nesse debate, os grupos é que se manifestaram."

Foi a primeira vez que a proposta do Paquistão foi discutida em detalhes. E as divergências cruzaram os grupos. O próprio Paquistão é uma mescla de tudo: é membro do Grupo de Cairns, agressivo na liberalização agrícola; do G-33, protecionista, e do G-20, que faz a ponte entre os dois primeiros.

O Paquistão propôs indicadores mais rígidos para a designação de "produtos especiais", argumentando que o desenvolvimento interessa também a produtores que querem exportar. Sua sugestão estabelece, por exemplo, que um produto que cobre boa parte do consumo doméstico pode ser designado como "especial", portanto com corte tarifário menor. Mas quando o consumo é coberto principalmente por importação, o produto ficaria fora da lista. Também propõe incentivos para um país ter menos "especiais", podendo cortar ainda menos as alíquotas desses produtos.

A destruição da proposta foi rápida. O G-33, liderado pela Indonésia, disse que ela viola o mandato da negociação, introduzindo critério baseado em comércio e não em segurança alimentar e desenvolvimento rural. Seguiram a mesma posição o grupo de pequenas economias e vulneráveis, o grupo ACP (África, Caribe e Pacifico), o grupo africano, Índia, Venezuela e vários outros países. ''Jogando contra a torcida'', como definiu um negociador, apoiaram a proposta países exportadores, como Argentina, Tailândia, Costa Rica, Uruguai, Austrália, Nova Zelândia e Paraguai.

O Brasil variou entre seu papel de grande exportador agrícola e líder do G-20. Deu apoio político ao G-33, que tem membros também no G-20, mas reconheceu pontos interessantes no documento paquistanês. "Não dá para fechar a porta, é preciso discussão", disse Hugueney.

A posição brasileira é delicada, porque o G-20 mesmo não aprovou uma posição definitiva sobre os "especiais". Argentina, Uruguai e Uruguai temem mais protecionismo nos mercados em desenvolvimento, enquanto Índia e China insistem em ter forte flexibilidade para designar produtos que terão corte tarifário menor e mecanismo especial de salvaguardas para frear súbitos aumentos de importação.

Nesse cenário, Hugueney destacou que critérios de exclusão dos "especiais" também fazem sentido. Exemplificou que usando indicadores do próprio G-33, o Brasil seria capaz de selecionar todos seus produtos agrícolas como ''especiais ? ? . Isso inclui frango, pela sua alta contribuição a nutrição no país, mesmo se o Brasil é o maior exportador mundial do produto.

O presidente do comitê negociador, Falconer, comemorou pelo menos o "engajamento" dos países. Anunciou que na sexta ou segunda-feira apresentará a primeira parte de seu texto para impulsionar as negociações. A segunda parte será apresentada uma semana depois. Não haverá questões, mas o próprio julgamento de onde estaria um acordo possível.