Título: O aluno brilhante
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 12/12/2010, Mundo, p. 27

Convidado por Dilma Rousseff para assumir o posto de chanceler, Antonio Patriota passou mais de 15 anos trabalhando com Celso Amorim, que considera um professor. Seu desafio é ser mais que uma sombra do mestre e conseguir imprimir um estilo próprio à sua gestão

Sua tarefa será suceder o homem que mais tempo ficou à frente da diplomacia brasileira e ir além do que foi alcançado por Celso Amorim e o governo Lula no cenário internacional. Para Antonio Patriota, chanceler escolhido pela presidente Dilma Rousseff, no entanto, o caminho a seguir não é de todo um mistério. Patriota mantém uma parceria há mais de 15 anos com o atual ministro, período em que, segundo ele próprio, teria passado por um verdadeiro ¿curso de pós-graduação Celso Amorim em Relações Internacionais e Diplomacia¿. A partir de janeiro de 2011, ele terá de mostrar o que aprendeu, mas com o desafio de não ser apenas a sombra de seu antecessor ¿ e o mundo certamente providenciará as oportunidades para isso.

Patriota, que foi convidado por Dilma na última semana, mas ainda não teve o nome confirmado em anúncio, assumirá o Itamaraty com 56 anos, após ter sido secretário-geral das Relações Exteriores, subsecretário-geral político e chefe de gabinete do chanceler ¿ os três principais cargos do ministério. No exterior, serviu nas representações de Pequim, Genebra, Caracas e Nova York, e foi embaixador em Washington, entre fevereiro de 2007 e outubro de 2009.

Para alguns, o fato de ter ocupado o principal posto do país no exterior não é suficiente para suprir a lacuna deixada pela falta da experiência como embaixador em outros países. A trajetória dentro do ministério, contudo, atesta o conhecimento sobre a engrenagem da diplomacia brasileira que nem mesmo Amorim tinha quando assumiu o Itamaraty pela primeira vez, em 1993. Enquanto este aprendeu nos organismos internacionais de Genebra e Nova York a ser um bom negociador, Patriota teceu um currículo que, muitos acreditam, o tornarão um chanceler de perfil mais estrategista e tático.

Visto entre colegas como um diplomata ¿brilhante¿, ele iniciou sua carreira, aos 24 anos, já com uma medalha de Vermeil, concedida aos melhores alunos do Instituto Rio Branco. Antes de chegar a Brasília, o carioca viveu na Suíça, onde se formou em filosofia pela Universidade de Genebra com apenas 21 anos. Passou a metade de suas três décadas de Itamaraty em missões no exterior e, nos cargos ocupados em Brasília, esteve sempre perto do processo decisório. Em 2003, quando Amorim assumiu o ministério, Patriota voltou de Genebra para a Secretaria de Planejamento Diplomático, órgão ligado ao gabinete do ministro e que é caminho obrigatório de todas as decisões, telegramas e acordos que chegam ou saem do Itamaraty. No ano seguinte, tornou-se chefe de gabinete de Amorim, com quem já trabalhava há 10 anos, primeiro na Missão do Brasil junto à Organização das Nações Unidas, em Nova York, e, depois, na Suíça.

Mas foi em Washington, onde chegou aos 50 anos sem nunca ter assumido uma embaixada, que Patriota mostrou que sua ¿preparação¿ em Brasília, tão próximo à formulação da política externa, foi importante. Mesmo em um período de crescente divergência com Washington, agravada pela crise em Honduras, o uso americano de bases militares na Colômbia e a ameaça de retaliação brasileira na questão do algodão, o embaixador conseguiu se manter próximo a autoridades americanas. De algumas, como o ex-subsecretário de Assuntos Políticos Nich Burns, chegou a alcançar o status de ¿grande amigo¿, como confirmou o então número três da diplomacia americana em uma palestra durante um think tank em Washington, em 2008.

¿Não há dúvida de que Patriota era muito querido e respeitado em Washington. Apesar de ter pouca escolha sobre as orientações políticas gerais, fixadas em Brasília, ele conseguiu tanto defender eficazmente a política brasileira oficial ¿ mesmo quando ela era percebida como antiamericana ¿ quanto transmitir uma forte boa vontade brasileira em relação aos EUA¿, lembra o presidente do instituto Inter-American Dialogue, Peter Hakim, que acompanhou de perto a atuação de Patriota em Washington. Além do perfil diplomático ao extremo, o inglês impecável do embaixador, que já chegou a desconcertar interlocutores desavisados, foi um dos componentes que ajudou na aproximação.

Retomada com os EUA Em Washington, Patriota teve muito contato com o Departamento de Estado e com congressistas democratas e republicanos, o que lhe valeu um conhecimento aprofundado das engrenagens da política americana. Nesse período, aproximou-se do atual embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, que na época ocupava o principal posto do Departamento de Estado para o continente americano. Essa experiência trazida de Washington, para muitos, não só anuncia uma retomada da proximidade com os Estados Unidos no próximo governo, como traz a certeza de que os possíveis atritos entre os dois países serão melhor gerenciados. ¿Patriota terá que modificar ao menos o estilo de Amorim e de Lula, adotando postura menos conflituosa com os EUA, porque, na melhor das circunstâncias, os dois países vão se chocar em muitas questões à medida que o Brasil cresce em importância¿, afirma Hakim.

Ao assumir o posto de secretário-geral do Itamaraty, em outubro de 2009, Patriota ressaltou ¿o interesse e o respeito que o Brasil desperta nos Estados Unidos¿ e destacou que Washington permanece um ¿centro de atividade diplomática de primeira importância¿. Na mesma época, no entanto, a embaixada americana olhava Patriota com um certo ceticismo, segundo revelou nesta semana um telegrama vazado pelo site WikiLeaks. ¿Mesmo que Patriota conheça bem os EUA e esteja pronto para trabalhar conosco, ele não o fará em uma perspectiva pró-americana, mas sob as bases do nacionalismo tradicional da diplomacia brasileira¿, observou a ministra conselheira da embaixada Lisa Kubiske na mensagem.

No Itamaraty, há também a expectativa de uma grande continuidade nas diretrizes adotadas pela diplomacia Lula: trabalhar cada vez mais com os países do Sul, continuar investindo nos grupos de emergentes ¿ como o Ibas (formado por Índia, Brasil e África do Sul) e os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) ¿ e manter a pressão para que haja reformas nos principais fóruns da governança mundial, em especial a ampliação do Conselho de Segurança da ONU. Em relação ao Irã, no entanto, Patriota teria mostrado uma posição de desconfiança, segundo outro documento da embaixada americana divulgado pelo WikiLeaks. De acordo com Shannon, o brasileiro afirmou ¿nunca saber o quão sinceros¿ são os iranianos.

Talvez essa será a hora de, como todo bom aluno, Patriota avançar na lição de seu professor, evitando erros passados e aprimorando os passos de Amorim. Mas com os desafios de um país que já não pode voltar atrás na projeção internacional que conquistou.