Título: Argo" gera debate no Irã sobre relações com EUA
Autor: Fassihi , Farnaz
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2013, Internacional, p. A10

Em recente noite em Teerã, uma reunião de amigos para assistir a um filme transformou-se num acalorado debate político: Poderão o Irã e os Estados Unidos algum dia superar as lembranças da crise dos reféns de 1979?

O grupo tinha acabado de assistir a um DVD pirata de "Argo", sucesso hollywoodiano que retrata o cerco de estudantes iranianos à embaixada dos EUA em Teerã, que durou 444 dias, e a história de como a Agência Central de Inteligência (CIA) resgatou seis diplomatas no auge da crise.

"Argo" é uma epidemia em Teerã, passado de mão em mão e de casa em casa. Jovens "descolados" no norte de Teerã, vendedores ambulantes de frutas no bazar, professores nos subúrbios, parlamentares e membros da milícia Basij à paisana leais ao regime já viram o filme. Vendedores de DVD ilegais que operam redes de distribuição em nível nacional dizem que o vídeo é o maior sucesso em anos, tendo vendido mais de centenas de milhares de cópias.

Nos últimos 33 anos, a República Islâmica tentou caracterizar a crise dos reféns como fonte de um orgulho nacional coletivo adquirido pela justiça revolucionária frente ao imperialismo ocidental. Em sua maioria, os sequestradores, então universitários radicais, mais tarde tornaram-se destacadas figuras políticas no movimento reformista que comandou o governo iraniano durante oito anos.

Num momento em que os líderes iranianos cogitam negociar com os EUA sobre seu programa nuclear, "Argo" provocou um debate público sobre a sensatez da tomada da embaixada americana e do efeito que isso produziu sobre a política externa iraniana.

Muitos funcionários do governo hoje citam a tomada da embaixada como um símbolo de honra. Alguns ficaram profundamente perturbados pela forma como, no filme, os EUA julgaram e caracterizaram suas ações. O ministro da Cultura Seyed Mohamad Hosseini qualificou a película como um insultante salvo anti-iraniano.

Para Ahmad Reza, um membro da milícia Basij que disse ter recentemente visto "Argo" com alguns camaradas da milícia, o filme não diminuiu seu orgulho pela revolução. Reza disse que a película enfatiza o resgate de seis reféns para compensar o insucesso americano em assegurar rapidamente a libertação dos outros 52, que permaneceram cativos por 444 dias.

Mas pelo menos duas figuras de destaque, um ex-chanceler e um ex-embaixador, escreveram cartas publicadas nos meios de comunicação iranianos qualificando a tomada da embaixada como um erro colossal.

"O grupo de alunos, ao tomar a embaixada americana, encurralou o Líder Supremo, a comissão revolucionária e o governo. O país e o povo pagaram um preço muito grave por isso", escreveu Ibrahim Yazdi, ministro das Relações Exteriores em 1979 e hoje membro da oposição no Irã, em um jornal diário iraniano.

Muitos iranianos que assistiram ao filme também disseram considerar a tomada como um erro. "A violência entrou na nossa política com a tomada da embaixada americana. Nossos líderes calcularam que poderiam interagir com o mundo com agressividade e, com o tempo, isso contaminou a maneira como lidam com seu próprio povo", disse Shohreh, uma mulher de 52 anos de idade que assistiu ao filme com o grupo de amigos em Teerã. Ela não quis dizer seu sobrenome.

As cenas em "Argo" que exibem multidões enfurecidas atacando o complexo diplomático e a maneira agressiva como trataram os reféns lembrou alguns iranianos mais jovem as repressões violentas contra as "insurreições eleitorais" em 2009, quando turbas pró-regime atacaram manifestantes e invadiram as sedes de campanha de líderes da oposição.

O Irã poderá ter em breve sua réplica. Neste mês, um cineasta pouco conhecido, Ataollah Salmanian, disse que pretende responder a "Argo", com um filme com a versão iraniana dos eventos.