Título: Tensão social continua alta mesmo com Evo
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Fonte: Valor Econômico, 26/04/2007, Especial, p. A16

Quando o líder cocaleiro Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia, o primeiro indígena a assumir esse posto, a expectativa era de que ele reduzisse a tensão social que torna a Bolívia um dos países do mundo com maior incidência de manifestações com bloqueio de instalações produtivas e estradas. Mas isso ainda não aconteceu. O governo Morales soma 447 conflitos desde que assumiu, em 21 de janeiro de 2006, até janeiro deste ano, quantidade só menor que os 1.042 registrados no governo de Carlos Mesa e os 518 do governo de Gonzalo Sánchez de Lozada.

A contabilização foi feita no estudo "La economia en el año de 2006", da Fundación Milenio, instituição privada de La Paz. Os dados não incluem os conflitos da semana passada, quando manifestantes da região de Gran Chaco fizeram um cerco seguido de invasão da estação de bombeio e transporte de gás da Transredes, em Posítos.

Um dos conflitos mais sangrentos do governo Morales ocorreu em outubro passado, quando mineiros sindicalizados da Corporação Mineira da Bolívia (Comibol) entraram em choque com colegas "cooperados" de Huanuni. O confronto deixou saldo de 16 mortos.

Em fevereiro, Morales estatizou a fundição De Vinto, do grupo suíço Glencore, sem indenização. A Suíça reagiu lembrando que a medida fere um acordo de proteção dos investimentos firmado pelos dois países em 1991, e o caso pode ir para arbitragem internacional. Na prática, o efeito mais imediato da medida é que sumiram os compradores internacionais da produção do complexo De Vinto, afetando pequenos produtores.

Eleito com uma votação histórica, Morales tomou posse em 2006 dando um tranco nas elites. Mas agora não convence uma parte da população pobre que lhe deu seu voto de confiança. O mineiro Edy Fernandez reclama da aparente dependência que Morales tem do venezuelano Hugo Chávez. "Evo parece depender muito dele, e não gosto disso. No início o MAS (Movimento ao Socialismo) não falava em bolivarianismo", diz ele.

Com um salário de 1,2 mil bolivianos por mês, mais que o dobro do salário mínimo nacional, e com um emprego que garante todas as refeições, Fernandez se diz preocupado com a ameaça feita pelo presidente de expropriar toda a propriedade privada na Bolívia, incluindo terras e equipamentos.

"No início ele estava querendo fazer algo bom. Gosto da estatização. Mas, se as empresas forem embora, não creio que a nossa vida seja melhor, porque nós trabalhamos nessas empresas. E isso vai desempregar muita gente", deduz.

O dono da mina, que prefere não ter seu nome divulgado por medo de retaliação, diz que o presidente está fazendo "terrorismo psicológico" com quem investiu na Bolívia. Mas acha que o país precisa passar por essa fase. "O que está acontecendo aqui é a revanche da miséria contra uma democracia mal feita, que não soube dar escola, saúde e nem habitação para as pessoas, que agora querem tomar isso à força".