Título: O PAC e o uso de recursos do FGTS
Autor: Wald, Arnoldo
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A participação dos empregados nos investimentos de infra-estrutura, por intermédio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), é uma idéia fecunda e uma inovação oportuna. Necessita, todavia, de alguns cuidados na sua execução, devendo ser examinada sob os prismas econômicos, sociais e jurídicos, no sentido de serem encontradas fórmulas adequadas para conciliar os interesses em jogo, na atual fase de grande criatividade do mercado de capitais.

Sem dúvida, é necessário aumentar os investimentos no setor, tanto quanto fazer com que deles participe toda a sociedade civil. Tratando-se de recursos do FGTS, justifica-se que sejam aplicados em empresas que estejam comprometidas com o desenvolvimento sustentado e com a governança corporativa, ensejando, assim, mais uma forma de democracia participativa. Tal instrumento serviria de ponte entre os investimentos públicos e privados, estes últimos indispensáveis à execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como salientaram o presidente da República e a ministra Dilma Roussef.

Representaria, também, mais um passo para uma maior participação de pequenos investidores no mercado de capitais, através de fundos, aproveitando o movimento geral de pulverização do capital das empresas, que hoje ganha espaço na economia e na legislação atual. De fato, a sociedade anônima com controlador único deu lugar, após várias décadas e especialmente a partir das privatizações, ao controle partilhado e, mais recentemente, ao pulverizado.

Por outro lado, tanto a Lei das Sociedades Anônimas e suas reformas, como o Código Civil de 2002, estabeleceram normas mais rígidas e coerentes de proteção ao minoritários. Trata-se de uma espécie de transposição da democracia política para o campo societário, com as devidas ressalvas decorrentes da função econômica do instituto. Por sua vez, as práticas de governança corporativa estão consolidadas, a nível mundial, e são incentivadas pela maior valorização e aumento da liquidez das ações emitidas pelas companhias que as adotam.

-------------------------------------------------------------------------------- As dificuldades apontadas poderiam ser superadas com uma legislação de cunho especial, em face dos interesses envolvidos --------------------------------------------------------------------------------

Na verdade, os recursos do FGTS, por sua natureza e finalidade, merecem uma proteção especial e garantias adequadas, de modo a evitar que sejam aplicados em operações arriscadas e sem rentabilidade mínima. Por outro lado, o investimento em infra-estrutura tem riscos e, em geral, passa por um período de implantação, exigindo uma carência para pagamento de juros ou dividendos. Finalmente, é possível que haja, na matéria, intervenções do Poder Judiciário, para restabelecer equilíbrios que venham eventualmente a ser rompidos. São ponderações que foram objeto de oportuna manifestação do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade, em recente entrevista sobre o tema.

As dificuldades apontadas poderiam, a nosso ver, ser superadas através de uma legislação de cunho especial, que se justifica, no caso, em face dos interesses econômicos e sociais envolvidos. É importante lembrar que a remuneração dos depósitos no FGTS é relativamente baixa, sendo inferior ao custo do capital no mercado financeiro. Haveria, assim, a possibilidade da adoção de fórmulas capazes de assegurar ao investidor a garantia da integridade do investimento, corrigido monetariamente e remunerado a uma taxa equivalente à atualmente paga pelo FGTS, assegurando-lhe também uma participação nos lucros da sociedade para um percentual menor do que o atribuído aos demais acionistas.

Neste sentido, nada impede que sejam emitidas debêntures participativas, que se assemelham às ações preferenciais, mas como elas não se confundem, de modo a criar uma fórmula mista em que os recursos do FGTS investidos nas empresas que executam o PAC tenham garantia de rentabilidade anual mínima, complementada por um prêmio vinculado aos lucros distribuídos pela sociedade.

Estamos no século das parcerias, como acaba de demonstrar a recente compra do grupo Ipiranga feita pela Petrobras e por sociedades privadas, atuando em conjunto. Assim sendo, a utilização dos recursos do FGTS no PAC poderia constituir um instrumento importante para a implementação deste plano, nas dimensões necessárias, o que é sempre possível com a cooperação e o diálogo entre o poder público e a iniciativa privada, mediante uma verdadeira parceria, considerando que os recursos do FGTS são privados, pertencentes aos empregados, embora sob a tutela da autoridade pública.

Arnoldo Wald é advogado, sócio do escritório Wald e Associados Advogados e professor catedrático de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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