Título: O Brasil e a demanda mundial de alimentos
Autor: Paulinelli, Alysson; Licio, Antonio
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2013, Opinião, p. A12

Em novembro, o Valor publicou artigo em que demonstramos surpresa com os resultados de pesquisas encomendadas pela Associação Brasileira de Produtores de Milho (Abramilho) que apontavam para a relativa estagnação de novas áreas para plantio no Brasil, limitadas em não mais que 7 milhões a 8 milhões de hectares. Esses espaços existem apenas nos cerrados e deverão ser plenamente utilizados ainda em meados desta década.

Apontávamos também que o crescimento das safras a partir de então se dará por meio da aplicação maciça de tecnologia para utilização de segundas safras, para aumento da produtividade das pastagens e liberação dessas áreas para lavouras, assim como para o aumento da produtividade em geral e da irrigação. Nessa linha, o Brasil ainda terá muito a crescer, sem abertura de novas áreas, limitadas que foram pela natureza - e não pelos homens - em não mais que 20% de todo o território brasileiro.

Em seminário organizado pelo Fórum do Futuro, em Brasília, (Centro-Oeste Tempo 3), analisamos as possibilidades de crescimento dos cerrados nessa perspectiva e, para tal realizamos estudos sobre a evolução da demanda mundial de alimentos no período 2010 a 2020, que se mostrou explosiva.

Os "serviços", na verdade são, na quase totalidade, derivados da renda de atividades agrícolas ou industriais

Baseados em projeções que consideraram a evolução da renda das populações envolvidas, num total de 166 países, e trabalhando com 12 produtos principais, concluímos que as demandas adicionais para o ano 2020 seriam, resumidamente, em toneladas: a) milho, mais 178 milhões; soja, mais 50 milhões; arroz, mais 65 milhões; trigo, mais 65 milhões; carne bovina, mais 12 milhões; carne suína, mais 69 milhões; carne de aves, mais 32 milhões, para citar apenas os principais.

Quaisquer exercícios de projeções de oferta que se faça visando avaliar as possibilidades de atendimento dessa demanda futura mostram frustrações. Ou seja, caminhamos para uma crise de oferta de alimentos. Por exemplo, tome-se os dois produtos principais, o milho e a soja. Pode-se afirmar que não há a mínima chance de que as ofertas mundiais desses alimentos respondam com os mesmos níveis de produção requeridos pela demanda para que sejam mantidos os níveis de preços de 2010.

Entre áreas novas e aumentos de produtividade, aquelas duas culturas requereriam o seguinte equivalente: para o milho, 25 milhões de hectares ao rendimento médio de 7 toneladas por hectare; para a soja, 10 milhões hectares, com uma média de 3,5 toneladas por hectare. Arroz e trigo mais 20 milhões de hectares.

O crescimento registrado em área de lavouras, no Brasil, tem sido no máximo entre 1,5% a 2% ao ano. Isso nos melhores anos, diante das limitações de terras, máquinas, insumos, empresários, etc. Outros países produtores como EUA, Argentina, China e Índia têm tido crescimento e perspectivas ainda menores que o Brasil. Resultado: preços futuros serão ainda maiores do que os de 2010, que estiveram pouco abaixo dos atuais mas ainda muito estimulantes.

A década de 2000 a 2010 mostrou que o Brasil finalmente se libertou de políticas cambiais equivocadas, que limitaram os preços do setor agrícola e atuaram como barreiras ao seu crescimento. Por outro lado, o crescimento autóctone de China e Índia nesse período tem ensejado demanda e preços internacionais reais de alimentos em outro patamar histórico, mais elevados. A agricultura brasileira tem sabido responder a esses preços a partir de 2003, com crescimentos espetaculares, exceto nas frustrações climáticas em 2008 e 2012, retomando inclusive áreas que estavam ociosas desde a década de 1980. Nessa esteira veio o crescimento da economia como um todo. Em que medida?

Pesquisas em desenvolvimento no âmbito do Fórum do Futuro ajudarão a melhor entender a real relação Produto Interno Bruto (PIB) agrícola e o global. Desde 1995, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e posteriormente outros órgãos, vêm calculando o PIB da cadeia do agronegócio (setores a montante e a jusante da porteira da fazenda), estimando um percentual entre 25 e 30% do global. Esse número está subestimado pois não leva em conta toda a renda que nasce a partir da renda original gerada pelo setor agrícola (alguns municípios do Mato Grosso têm essa relação em 100%). Daí a sub-apreciação da agricultura por políticos, empresários, mídia, enfim, toda a sociedade. Depois de reconhecer o notável desempenho da agricultura brasileira nos anos recentes, há quem lamente que o setor só participe com 5% do PIB nacional.

Essa distorção existe porque as contas nacionais, tais como calculadas pelo IBGE, baseiam-se em classificações anacrônicas do estatístico britânico Colin Clark (1905-1989) do que vem a ser os "setores" da economia: 1) setor primário (agricultura e extração, inclusive mineração); 2) secundário (indústrias, inclusive construção e agroindústria); e 3) serviços (o resto) - classificação que ainda vigora. A intuição do erro é de fácil compreensão: médicos, jornalistas ou os postos de gasolina que operam em Lucas do Rio Verde (MT), por exemplo, só estão lá porque foram atraídos pela produção agrícola. Mas nas contas nacionais eles são computados no campo dos "serviços", e não na agricultura. E isto vale para todo o "resto". Nessa prática, quem leva os louros da sociedade são os "serviços", que na verdade são, na quase totalidade, derivados da renda de outras atividades, agrícolas ou industriais.

Finalmente, cabe ressaltar a responsabilidade da agricultura pelo crescimento de outros setores via garantia de demanda interna ou liquidez de divisas externas. Nos últimos 50 anos o Brasil tem sofrido recorrentes travamentos no seu crescimento econômico por falta de liquidez externa (1973-1982-1995), o que não mais deverá ocorrer devido aos expressivos saldos comerciais agrícolas, da ordem de US$ 80 bilhões por ano.

A nova política de câmbio livre e a expectativa de preços reais agrícolas em patamares iguais ou superiores aos atuais garantirão produção agrícola e renda crescentes e, na sua esteira, crescimento econômico por pelo menos uma década, independente de crises mundiais localizadas. O Fórum do Futuro tem essas e outras questões de interesse nacional em sua pauta de discussões. Até porque, este novo olhar sobre a agricultura, uma nova compreensão da importância social e econômica do setor para o país, serão decisivos para definir escolhas a serem feitas hoje que determinam a qualidade do futuro econômico e social do país. Entre elas, destaca-se a inadiável prioridade que deve ser dada,à pesquisa agrícola, sob pena do Brasil comprometer suas chances potenciais de liderar o mercado mundial de alimentos.