Título: Uso de câmbio para deter preços seria ineficaz
Autor: Lima, Flavia
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2013, Brasil, p. A3

José Julio Senna, do Ibre: "Talvez seja melhor deixar o câmbio quieto para que ele não atrapalhe o investimento"

Remando contra a maré do mercado, alguns especialistas avaliam que faz pouco sentido atrelar o real mais valorizado visto nos últimos dias ao que seria uma nova estratégia do Banco Central para controlar a inflação. Mesmo porque o resultado obtido sobre os preços seria bastante tímido.

Segundo Luciano Sobral, sócio da gestora de recursos Fram Capital, a própria autoridade monetária estima que 10% de variação do câmbio representaria um impacto entre 0,3% e 0,4% na inflação anual. Dessa forma, o BC teria que permitir uma valorização do real muito grande para ajudar a conter os preços de forma significativa, o que não parece ser o que Sobral chama de "estratégia primária" do BC. "Às vezes o mercado lê coisas que não necessariamente são o pensamento do BC", diz.

Nas contas da Tendências Consultoria, um câmbio médio de R$ 1,985 neste primeiro trimestre (ante R$ 2,06 no último trimestre de 2012), e que permanecesse neste nível pelo restante do ano, abriria espaço para uma queda de 0,14 ponto percentual na inflação ao consumidor do período.

Diante do quadro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) projetado pela Tendências cederia de 5,8% para 5,66% em 2013. Para Alessandra Ribeiro, economista da Tendências, como o governo busca evitar que a inflação fique acima de 6% no ano, uma atuação do BC no sentido de permitir que o dólar teste o piso de R$ 2,00 seria benéfica. Porém, a economista não acredita que a autoridade monetária esteja atuando neste sentido. "Acho pouco provável que o governo deixe esse câmbio muito abaixo do nível atual, pois [o câmbio] é uma bandeira do governo para impulsionar a indústria e, consequentemente, o PIB".

Para Sobral, da Fram Capital, as intervenções recentes do BC representariam mais um ajuste fino. "Até porque acredito que para este Banco Central não faz muita diferença se a inflação é 5%, 5,3% ou 5,6%". Sobral diz que um câmbio mais valorizado até ajudaria a conter os preços, barateando, importações. A questão, diz, é que, como bem apontou o próprio BC em sua última ata, a recuperação mais fraca da atividade decorre de problemas na oferta, e não na demanda.

Logo, diz ele, a raiz do problema não seria o consumo, mas a negociação de salários. "A massa salarial cresce há muito tempo acima da inflação e isso implica em ganho de poder de compra para os consumidores. Essa é, no fundo, a pressão de oferta que o BC enxerga, o que não se resolve com movimento de 2%, 3% no câmbio". Sobral afirma que a inflação brasileira é estruturalmente alta, sustentada, sobretudo, pelos preços dos serviços que são uma função quase direta do nível de emprego. "A raiz estrutural da inflação não está no câmbio nem no preço dos importados e disso o BC está bastante consciente".

Segundo Sobral, o que o mercado tem visto novamente neste ano é um mundo saindo de ativos considerados seguros e correndo para o risco. "Colocando o real nessa equação, é uma moeda que tende a performar melhor quando o mundo está em busca de risco. Talvez parte da explicação esteja aí e não diretamente na preocupação do BC com a inflação". Para Sobral, aparente mudança de comportamento do BC - que sinalizava uma banda maior para o dólar, entre R$ 2,05 e R$ 2,10 no fim do ano passado - estaria, na avaliação de Sobral, muito mais ligada a uma atuação para conter a volatilidade da moeda. "Acho que se o Banco Central vir que existe um fluxo de recursos que justifique o câmbio ir para R$ 1,95 ele vai deixar escorregar. Se ele achar que é exagerado, que é mais capital especulativo, vai se preocupar".

José Julio Senna, pesquisador da área de economia aplicada do Ibre/FGV e responsável por estudos sobre política monetária, faz outra leitura da trajetória do dólar. Para o ex-diretor do Banco Central, a fraca demanda externa talvez tenha enfraquecido a visão do governo de que um real muito desvalorizado teoricamente estimularia a economia por meio das transações no exterior.

"Em volume, as exportações mundiais crescem a um ritmo de 2% ao ano. Como não é por aí que vamos estimular a economia, talvez seja melhor deixar o câmbio quieto para que ele não atrapalhar um outro componente, o investimento", diz ele.

Mas afirmar que o governo desejaria um real abaixo de R$ 2, para Senna, seria demais. "Em referência a esse assunto, o governo já disse que tanto a redução do juro quanto a depreciação do real fazem parte das mudanças estruturais pelas quais passam a economia. Logo voltar atrás agora seria um recuo, do ponto de vista do traçado da estratégia, forte demais".

Segundo Senna, pode ser que daqui para frente a orientação seja que o BC evite que o câmbio venha abaixo de R$ 2. "Mas os participantes de mercado, permanentemente de olho em oportunidades de ganho, vão testar isso. Logo, essa história promete não se encerrar no curto prazo."