Título: Regulamentação e riscos para fundos de pensão
Autor: Duarte, Antonio e Herbst, Pedro
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2007, Opinião, p. A16

Os fundos de pensão são importantes para o país em decorrência de seus objetivos sociais, além de se constituírem em formadores de poupança interna de longo prazo. É natural, portanto, considerar a questão de como são regulamentadas suas aplicações de recursos. A administração dos fundos deve ter como preocupação o pagamento de benefícios aos seus participantes. Enormes prejuízos financeiros e, principalmente, de reputação, foram causados aos fundos de pensão no Brasil nos últimos anos, em decorrência de investimentos feitos sem uma análise apropriada de riscos (como no caso dos CDBs do Banco Santos), de um monitoramento ineficiente (como no caso do Aerus, onde aportes não foram realizados pela patrocinadora) e da recente exposição negativa na mídia nacional originada por disputas de origem política.

O ambiente regulamentar, no que se refere à gestão de ativos e passivos de fundos de pensão, deve ser criterioso, garantindo a preservação dos direitos dos participantes, sem ser restritivo a ponto de inviabilizar investimentos que possibilitem os retornos necessários para a complementação da aposentadoria dos participantes. Ou seja, o ambiente regulamentar deve buscar evitar medidas restritivas que não dêem margem para que os gestores dos fundos de pensão administrem os recursos levando em conta as suas especificidades, tais como requisitos de retorno, exposição a riscos e a necessidade de liquidez.

O ambiente regulamentar brasileiro para fundos de pensão, apesar de ter sido significativamente alterado ao longo da última década, não perdeu sua base altamente restritiva. Pior, como os últimos anos mostraram, este novo ambiente regulamentar tampouco blindou os fundos de pensão de perdas financeiras e danos de reputação.

O problema torna-se mais grave na medida em que a legislação tenta mitigar a exposição a riscos (liquidez, crédito etc) criando diferentes tipos de restrições por instrumentos e/ou classes de ativos. A literatura de finanças é rica em artigos que ilustram que esta forma de atuação é pouco efetiva na prática, gera perdas de rentabilidade, dificulta a gestão de ativos e passivos, cria distorções em termos de taxas que são praticadas pelo mercado e aumenta custos operacionais, além de ser de difícil monitoramento.

Em um artigo acadêmico desenvolvido pelos autores, dois exemplos de "arbitragens regulamentares" são apresentados ilustrando a dificuldade de monitorar fundos de pensão com o atual ambiente regulamentar. Os dois exemplos utilizam possibilidades de investimento bem conhecidas no mercado: 1) títulos de dívida lastreados em direitos creditórios, e 2) fundos de investimentos em direitos creditórios. Se considerarmos que a criatividade e a velocidade de lançamento de novos produtos por parte dos profissionais do mercado financeiro usualmente superam a velocidade de desenvolvimento do ambiente regulamentar, vemos que as oportunidades para mais "arbitragens regulamentares" serão muitas.

Outro ponto importante que convém mencionar é que regulamentações de países como EUA, Reino Unido e Irlanda não impõem grandes restrições para as aplicações de recursos dos fundos de pensão. Por outro lado, países como Alemanha, Suíça e Dinamarca impõem inúmeras restrições. Há um descontentamento dos gestores dos fundos de pensão sujeitos a maiores restrições regulamentares. Quando comparamos os ambientes regulamentares para fundos de pensão de diferentes países desenvolvidos verificamos que, nos países com maior liberdade para a alocação de recursos, os retornos reais obtidos em moeda local superaram no longo prazo em até duas vezes aqueles obtidos em países onde há mais restrições regulamentares. Deve-se ressaltar que o ambiente regulamentar imposto aos fundos de pensão alemães e dinamarqueses é menos restritivo que o imposto aos fundos de pensão brasileiros.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso reconhecer que há necessidade de uma evolução planejada de longo prazo no ambiente regulamentar para fundos --------------------------------------------------------------------------------

Em países onde a taxa de juros básica tem superado as metas atuariais dos fundos de pensão, como o Brasil, a necessidade de ativos com maior rentabilidade não é imperativa para o equilíbrio ativo-passivo. Entretanto, convém não esquecer que a eventual impossibilidade de investimentos em ativos com maior retorno pode causar variações na aposentadoria dos participantes, comprometendo esta alternativa de poupança de longo prazo da população e até mesmo desestimulando novos investidores.

Ou seja, se somarmos as oportunidades perdidas de investimento dos fundos de pensão brasileiros, mais as perdas financeiras e de reputação mencionadas anteriormente, deve-se ter preocupação com a atual estrutura regulamentar para fundos de pensão no Brasil. O que fazer então?

Primeiro, é necessário reconhecer que há necessidade de uma evolução planejada de longo prazo no ambiente regulamentar para fundos de pensão no Brasil. Esta evolução não pode ocorrer por uma enxurrada de resoluções de curta duração, substituídas em pouco tempo por outras resoluções.

Segundo, é importante identificar e copiar (com as devidas adaptações) os setores onde tem havido uma grande evolução regulamentar nos últimos anos, como no caso dos bancos, ilustrado pela adoção gradual de Basiléia II, e, no caso de seguradoras, com o esforço para o desenvolvimento de Solvência II na Europa.

Terceiro, é oportuno entender como os ambientes regulamentares internacionais evoluíram após situações de crises como aquelas envolvendo perdas extremas relacionadas a gestores de recursos de terceiros, como Long Term Capital Management, Morgan Grenfell Asset Management e Jardine Fleming Asset Management.

Quarto, é fundamental forçar a efetiva inserção de cinco conceitos na prática local: 1) responsabilização fiduciária, 2) transparência (interna e externa), 3) supervisão participativa, 4) governança corporativa e 5) gestão de riscos. Para tal, é necessário gerar uma verdadeira cultura fiduciária para a gestão de fundos de pensão no Brasil, com transparência e um monitoramento mais construtivo e participativo. Mais uma vez, Basiléia II e Solvência II são exemplos que podem ser seguidos. A gestão de fundos de pensão é uma atividade de alta responsabilidade que deve buscar estimular os brasileiros a poupar de forma segura, com uma visão de longo prazo, para uma aposentadoria digna. Merece, portanto, uma regulamentação mais próxima do que há de mais efetivo a nível global.

Antonio M. Duarte é diretor do Ibmec/RJ e Ph.D. pela Princeton University.

Pedro A. Herbst é professor e mestre pelo Ibmec/RJ.