Título: Hipotecas e alavancagem ameaçam mercado financeiro global, diz FMI
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2007, Finanças, p. C1

O risco de que uma tormenta nos mercados financeiros tenha conseqüências sérias para a economia global aumentou e algumas das apostas feitas nos últimos meses tornaram os investidores muito mais vulneráveis a choques e mudanças de expectativas, advertiu ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Na nova edição do relatório bianual sobre a estabilidade do sistema financeiro mundial, divulgada ontem em Washington, o FMI apontou como principais preocupações a crise no mercado imobiliário americano e a maneira como grandes fundos de investimento têm financiado aquisições nos EUA e na Europa.

Os problemas no mercado imobiliário, atingido por uma onda de inadimplência que fez várias companhias hipotecárias fechar as portas nos últimos meses, pareciam restritos a segmentos voltados para famílias de baixa renda e clientes sem histórico de crédito confiável. Mas, nas últimas semanas, surgiram dificuldades em outros nichos do mercado de hipotecas e o Fundo teme que nos próximos meses apareçam problemas em outros setores que dependem diretamente da saúde financeira dos consumidores americanos, como cartões de crédito.

O FMI também está preocupado com a atuação dos fundos de private equity, que nos últimos anos tomaram bilhões de dólares emprestados de bancos e outros fundos de investimento para financiar a aquisição de empresas em vários setores. Muitos empréstimos foram feitos sem a exigência de garantias que eram usuais até outro dia, diz o FMI.

Em algumas transações, os fundos têm usado as empresas adquiridas para tomar dinheiro no mercado e distribuir dividendos, recuperando rapidamente o investimento feito na aquisição e deixando as companhias endividadas. O FMI teme que essas operações tornem as empresas mais vulneráveis a mudanças súbitas no cenário econômico.

Na avaliação do Fundo, a crescente integração dos mercados financeiros no mundo aumenta a apreensão com esses riscos. "Um evento adverso que afete qualquer um deles poderia deflagrar uma reavaliação dos riscos em outras áreas", disse ontem o diretor do departamento do Fundo que monitora os mercados de capitais, Jaime Caruana.

Uma maior deterioração do setor imobiliário, com um aumento dos índices atuais de inadimplência e dificuldades em outros mercados de crédito ao consumidor, poderia gerar reações em cadeia, afirma o FMI. O endividamento de empresas adquiridas por fundos de private equity teriam o mesmo efeito.

Inovações introduzidas no sistema financeiro nos últimos anos ajudaram a diluir bastante esses riscos. As hipotecas americanas e os empréstimos tomados por empresas e fundos de private equity são empacotados no dia seguinte e vendidos na forma de títulos a investidores interessados nos elevados rendimentos oferecidos pelos papéis.

Mas o FMI acha que esse processo acabou criando uma nova fonte de incertezas, ao tornar o sistema mais complexo e a identificação dos riscos mais difícil. "As inovações aumentaram a liquidez e fortaleceram o sistema, mas sua crescente complexidade exige um monitoramento mais cuidadoso", afirmou Caruana.

Segundo o relatório do FMI, as hipotecas de alto risco representavam em janeiro 14% dos títulos lastreados em empréstimos imobiliários nos EUA, um mercado de US$ 5,8 trilhões. A instituição estima que os fundos de private equity vão captar US$ 500 bilhões para financiar novas aquisições de empresas neste ano, pouco além dos US$ 430 bilhões que captaram em 2006.

Para muitos investidores, a rapidez com que os mercados se recuperaram do solavanco sofrido entre o fim de fevereiro e o início de março, depois de um intenso movimento de venda de ações iniciado na China, é prova de que os bons tempos ainda estão longe de terminar. Mas o Fundo acha que o episódio deveria ser visto como um alerta.

Na avaliação do FMI, o tombo das bolsas de valores mostra que o mundo ficou mais perigoso. "Alguns participantes do mercado se tranqüilizaram esperando a continuidade do ambiente de baixa volatilidade", disse Caruana. "Seria um erro assumir que as condições financeiras extremamente benignas de hoje e o componente cíclico desse ambiente vão durar para sempre."