Título: Investidor do futuro
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2007, EU & Investimentos, p. D1

Quando Débora Lemos, 17 anos, participou do primeiro Desafio Bovespa no ano passado, sua família, dona de um pequeno comércio no bairro do Capão Redondo, periferia de São Paulo, passava por dificuldades. Após freqüentar o curso de educação financeira que acompanha o programa da bolsa, a garota, que cursava o terceiro ano do ensino médio, sentou-se com o pai e sua contadora para "reavaliar os recursos disponíveis", como disse ela. Cortaram-se gastos excessivos e o negócio despontou novamente. "Agora, ele me consulta sempre", diz Débora, que este ano consegue guardar e investir metade do que ganha em um estágio. Ela cursa o primeiro ano de uma faculdade particular de marketing, onde tem uma bolsa de estudos.

Débora é uma das alunas do Colégio Estadual Leopoldo Santana, localizado no Jardim Gismar, no Capão Redondo. A escola foi a terceira colocada no Desafio Bovespa, programa que apresenta aos alunos do ensino médio o mercado de capitais. Os adolescentes simulam negociações de ações em meio a cenários propostos e fatos relevantes. Quem ganhar leva dinheiro vivo.

No ano passado, concorreram 150 escolas e, neste ano, na segunda edição do Desafio, 392 se interessaram, mas apenas 240 participam do concurso, com cinco alunos cada. "Queremos mostrar a importância de poupar e desmistificar conceitos errados com relação ao mercado de ações", diz Luís Abdal, assessor de Marketing e Comunicação da Bovespa.

São seis os sucessores de Débora no Leopoldo Santana que participam do Desafio deste ano. Todos sonham com faculdade, emprego e renda bons. "Não quero servir hambúrgueres o resto da vida", diz Karina Mesquina, estudante de 15 anos do 2º ano, referindo-se à opção de jovens conhecidos do bairro por empregos de menor qualificação. "Quero ter estabilidade financeira e poder fazer teatro", completa ela. "Aprender a administrar dinheiro é essencial para avançar na vida", resume Felipe Kyoshi, de 15 anos, que sonha com a faculdade de Biologia - ou, quem sabe, Letras - em 2009.

Os adolescentes trocam experiências e aprendem a lidar com o próprio dinheiro, mas o programa almeja uma mudança de conceitos familiares também, diz o coordenador pedagógico do Leopoldo Santana, Émerson Lima dos Santos. "Eles mostram aos pais que é possível ter um investimento de longo prazo."

Prisciliane Pamela, do primeiro ano do ensino médio, diz que já trabalhou e ganhou dinheiro em um bico como caixa de loja, apesar de ter apenas 14 anos. O salário foi aplicado pela irmã mais velha em uma caderneta de poupança. "Mas, depois que terminar o curso, quero administrar melhor o meu próprio dinheiro", diz Prisciliane.

A aspirante a jornalista Joana Rayka, de 17 anos, conta que já fez, como seus colegas, cursos sobre ações e como guardar dinheiro na escola para se preparar para o Desafio Bovespa. "No futuro, vamos pensar na nossa vida, ganhar nosso dinheiro e investir, quem sabe em ações", diz Joana.

A Bovespa deixa a cargo das escolas indicar os alunos para participar do concurso e elas acabam peneirando os melhores. "Mas esse curso não deveria ser apenas para nós, e sim para todos aqui", diz Felipe Kyoshi. Abdal, da Bovespa, diz que a instituição oferece às escolas visitas de especialistas e palestras a todos os alunos pelo programa "Bovespa vai à escola".

O primeiro Desafio Bovespa ocorreu no ano passado, vencido pela tradicional escola estadual Fernão Dias Paes, de Pinheiros, que ganhou R$ 25 mil para administrar na forma de um clube de investimentos em ações por, no mínimo, um ano. A segunda, a particular Marajoara, recebeu R$ 15 mil, e a Leopoldo Santana levou R$ 10 mil. A quarta e a quinta colocadas receberam R$ 5 mil e R$ 2,5 mil, respectivamente.

Neste ano, a competição se dará em duas fases. A primeira será teórica, com provas ao fim das aulas apresentadas. O valor da nota do grupo indicará a quantia com que poderão investir no mercado virtual. Em seguida, cada equipe montará sua carteira para obter lucro em cinco rodadas, cada uma com novas informações macroeconômicas e setoriais. Os colégios vencedores de cada mês vão a uma final em dezembro. A escola vencedora, no ano passado, obteve rentabilidade de 118,7% nas simulações de investimento.

Débora Lemos, que recebeu parte dos R$ 10 mil da Leopoldo Santana, confessa objetivos para o uso do dinheiro que, há um ano, pareceriam impensáveis para uma formanda de escola pública do Jardim Gismar. "Quero usar o dinheiro em uma viagem à Europa, para estudar", diz. "Para sair daqui, precisamos saber cuidar do nosso dinheiro", completa. "Mas temos de correr atrás, porque isso não é o que o governo quer, que é manter o status quo", diz, demonstrando também ter opinião política. Débora explica que seus colegas de faculdade, vindos de escolas privadas, vivem uma realidade muito diferente da dela e contam com vantagens no mundo profissional. "Mas o curso de finanças me ajudou a competir melhor no mercado de trabalho", diz.

"Os adolescentes do Capão Redondo não têm um futuro garantido e não controlam os poucos recursos que ganham diante de um tênis novo ou de uma balada", diz Santos, do Leopoldo Santana. "Aprender sobre finanças pessoais é mais importante para eles, porque eles têm menos." Enquanto no ano passado poucos no Leopoldo Santana se interessaram pelo Desafio, diz Débora, muitos neste ano foram os voluntários, por conta do sucesso da equipe de 2006.