Título: Após choque, Santa Maria tenta voltar à normalidade
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Fonte: Valor Econômico, 29/01/2013, Especial, p. A12

Milhares de pessoas se reuniram ontem para um culto ecumênico na praça Saldanha Marinho, em Santa Maria

Um dia depois do incêndio que matou 231 pessoas que estavam na casa noturna Kiss, em Santa Maria, a polícia reforçou as investigações com quatro prisões temporárias, ao mesmo tempo em que outras pessoas que estavam na festa foram hospitalizadas, e cerca de cem corpos foram sepultados nos cemitérios locais, sob forte como ção dos familiares e da população. Na cidade, muitas lojas amanheceram fechadas, enquanto a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na qual estudavam muitas das vítimas, decidiu permanecer fechada, em luto, até o dia 1º.

A Polícia Civil cumpriu mandados de prisão preventivos expedidos pela Justiça e dois sócios da boate e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no momento em que o fogo começou, foram detidos. O objetivo da prisão foi facilitar a investigação, segundo o delegado Sandro Meiner. A Polícia desconfia que a boate Kiss tinha um sistema de segurança interno, mas nenhuma imagem foi encontrada nele. Os policiais, que começaram a fazer a perícia no local, investigam se as imagens foram removidas ou se as câmeras não estavam gravando na hora do acidente.

Três prisões aconteceram pela manhã: do empresário e também sócio da boate, Elissandro Callegaro Spohr; do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e do produtor do conjunto musical, Luciano Augusto Bonilha. À tarde, Mauro Hoffman, outro sócio da boate, se entregou à Polícia Civil. Os quatro devem permanecer presos por, no mínimo, cinco dias, conforme os quatro mandados de prisão temporária expedidos no domingo.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, permaneceu em Santa Maria, a pedido da presidente Dilma Rousseff, para coordenar os trabalhos de apoio aos 80 feridos que estão nos hospitais do município. Ao todo, 121 pessoas estão internadas em quatro cidades do Rio Grande do Sul, incluindo a capital.

O ministro confirmou ontem o primeiro caso de pneumonia química entre os sobreviventes do incêndio. A estudante de Enfermagem da UFSM Ingrid Preigschadt Goldani estava na boate durante o incêndio, mas conseguiu sair logo que o fogo começou. No fim da noite de domingo, ela começou a mostrar os primeiros sintomas de intoxicação, e foi transportada para Porto Alegre. Segundo Padilha, algumas pessoas podem apresentar sintomas de pneumonia química, como tosse e falta de ar, nos próximos três dias.

As autoridades de saúde do Rio Grande do Sul e do governo federal estão especialmente preocupadas com 75 pacientes vítimas do incêndio que permanecem em estado crítico de saúde, com risco de morte. Os pacientes em estado mais crítico são os que estão intoxicados gravemente com a fumaça do incêndio ou sofreram queimaduras intensas. Para esse último caso, o Ministério da Saúde pediu ajuda a profissionais de hospitais de referência no Rio de Janeiro e do Paraná, além do Hospital Albert Einstein, de São Paulo.

Na cidade, ontem, muitas pessoas deixaram mensagens de solidariedade e flores para as famílias na porta da boate. As histórias das vítimas são quase sempre de jovens na faixa de 20 anos e estudantes da Universidade Federal. "Estávamos em um churrasco, mas ele decidiu dar uma esticadinha na boate. Saiu do churrasco à 1h30 e foi para lá. Não devia ter ido, devia ter ficado com a gente" lamentava Everton Revelante, amigo de Silvio Beure, o Silvinho.

A poucos metros do túmulo onde Silvinho era enterrado, o soldado Leonardo de Lima Machado recebia a salva de tiros dos companheiros. Ele estava com a mulher na boate quando o incêndio começou, retirou a esposa do local, voltou para ajudar outras pessoas e não conseguiu mais sair. "Era uma pessoa muito querida por todos do batalhão", disse emocionado o sargento Lenois Cassol, seu colega de batalhão.